sexta-feira, 10 de setembro de 2010

REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA ENTRE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO NA ESCOLA PÚBLICA PAULISTA.

A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA ENTRE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO NA ESCOLA PÚBLICA PAULISTA.


 PAULO ROBERTO MERMEJO

INTRODUÇÃO:

A
prática do magistério no ensino médio, nos cobra constante reflexão sobre sua função social. A intensa busca de instrumentos que nos possibilitem adequar o conteúdo programático ao interesso do aluno nos põe a prova a cada dia. Penetrar no ideário do adolescente é tarefa árdua e nem sempre gratificante. Possuídos dessa angustia é que nos propomos a investigar as representações sociais da função social da escola entre alunos do ensino médio paulista. Contamos com um profundo arcabouço teórico ao que se refere a constituição da personalidade desse polêmico grupo social, porém, quando centramos o interesse em suas relações com a educação, quando distante dos cursos preparatórios pré-vestibulares, pouco temos, no tocante a produção acadêmica.


Entender o senso comum desse segmento, nos parece, necessário tendo em vista os caminhos que tomam a humanidade. Afinal, é nesse momento do desenvolvimento do indivíduo, que os quadros interrelacionais lhe pedem a postura de sujeito identificado com sua história e com seu potencial de produção .

Tal projeto se propõe ao fato, fenomenologicamente determinado, onde a construção do ideário do segmento social passa a ser norte de futuros empreendimentos educacionais, além dos limites de nossas possibilidades atuais. Nesse sentido o estudo das Representações Sociais se configuram como metodologia potencialmente significativa, que, aliado a outros instrumentos poderão nos dar a radiografia necessária para um primeiro entendimento da realidade vivificada.

 
 


REVISÃO DA LITERATURA:

 
 

 
 

A primeira grande fonte, sem dúvida, foi a observação empírica que há muito vem me provocando um certo desconforto, característica que posso dizer, é compartilhada por muitas pessoas na atualidade. A partir dessa observação empírica que acomodadas a minha história pessoal intelectual foi possível a formulação do problema, o que me levou às fontes de fato.

O primeiro trabalho, como já pude demostrar, que se posicionou como esclarecedor, foi Sueli Damergian: "O inconsciente na interação humana"( Damergian,1991) que nos apresenta uma alternativa para o entendimento da psicologia social. A autora propõe a possibilidade de se pensar a interação social levando-se enconta, também as porções inconscientes dos indivíduos constitutivos do organismo social. Para tal ela se remete a perspectiva dos clássicos da psicologia social que vislumbravam um organismo psicossocial como um todo flexível, para depois interagi-los com conteúdos psicanalíticos. Nosso interesse referente ao texto, não se trata de postular um retorno aos clássicos da psicologia social da Gestalt, nem da inferência psicanalítica que a autora apresenta, mas sim a possibilidade de uma visão de interação que entenda tanto as influências externas como as internas nesse processo.

Como nossa investigação trata de representações sociais o texto organizado por Mary Jane Spink: "O conhecimento no cotidiano: As representações sociais na perspectiva da psicologia social" nos serviu de referencial, já que se trata de uma coletânea de textos que introduzem o leitor no universo desta nova proposta. O presente projeto se ateve em especial aos textos de Celso Pereira de Sá: "Representações Sociais: o conceito e o estado da teoria" ( SPINKY, 1995) que apresenta o quadro geral do desenvolvimento teórico das Representações Sociais propostas por Moscovici, e o texto de Mary Jane Paris Spink: "O estudo empírico das Representações sociais"( SPINKY, 1995), que nos possibilitou a abordagem metodológica contida nesse projeto.

Para uma noção mais ampla da psicodinâmica familiar fizemos uso do trabalho do Psicanalista R. D. Laning: A política da família, que nos possibilitou o entendimento dos processos intersubjetivos que pontuam a coesão ou a dissolução dos núcleos familiares. O texto configura-se por diversas palestras proferidas em diversas ocasiões nos anos de 1967 e 1968.

Já no caso da problemática adolescente, nos valemos de três documentos ligados a psicanálise, o primeiro de D. W. Winnicott: A família e o desenvolvimento individual" ( Winnicott, 1993) que nos servil de referencial para o que nos propomos como mecanismos de interação social. O segundo de Arminda Aberastury e M. Knobel: "Adolescência Normal" em especial o artigo "A síndrome normal adolescente"de Knobel que completou a noção já proposta por Winnicott. E por fim o texto organizado por David Léo Levisky: Adolescência e Violência, do qual nos valemos, em especial do artigo "Aspectos do processo de identificação do adolescente na sociedade contemporânea e sua relações com a violência" do próprio organizador. Esse documento é de crucial importância para nossos objetivos já que trata de uma realidade brasileira atualizada e é resultado do 1º Encontro Adolescência e Violência realizado em outubro de 1994 na Escola Paulista de Medicina.

Para o procedimento metodológico, propriamente dito nos valemos do testo de Scrimshaw ( 1998) que possibilitou-nos o entendimento da aplicação da técnica em seus mínimos detalhes.

A pergunta que se faz é: como o estudante do ensino médio representa a função social da escola? Ou ainda ha correspondência entre os pressupostos elaborados pela produção científica educacional e a expectativa do estudante do ensino médio?

A partir desses questionamentos, nos propomos a investigar a representação social da função social de escola entre alunos do ensino médio na escola pública paulista e assim poder estabelecer as correspondências entre a produção acadêmica do setor e às expectativas do estudante.

Para Sara Pain "o processo de aprendizagem se inscreve na dinâmica da transmissão da cultura, que constitui a definição mais ampla da palavra educação" (Pain,1985), Dentre as funções da educação essa autora destaca a função socializadora: " a utilização dos utensílios, da linguagem, do habitat, transformam o indivíduo em sujeito. Dessa forma, na realidade a educação não ensina a comer a falar ou a cumprimentar. O que ela ensina são as modalidades dessa ação, regulamentadas pelas normas do manejo dos talheres, a sintaxe, os códigos gestuais da comunicação. O indivíduo, a medida em que se sujeita a tal legalidade, se transforma num sujeito social, e se identifica com o grupo, que com ele se submete ao mesmo conjunto de normas."(Pain, 1985).

No volume um do CEMPEC encontramos que "é função da escola ensinar, isto é, garantir à aprendizagem certas habilidades e conteúdos que são necessários para a vida em sociedade. Nesse sentido como ela pode contribuir no processo de inserção social das novas gerações? - oferecendo instrumentos de compreensão da realidade local e, também favorecendo a participação dos educandos em relações sociais diversificadas e cada vez mais amplas. A vida escolar possibilita exercer diferentes papéis, em grupos variados, facilitando a integração dos jovens no contexto maior ". (CEMPEC.1994)

No tocante a transmissão da produção intelectual como instrumental de socialização, encontramos uma função social pontuada, resta-nos ainda questionar um outro papel da educação - sua função política. Betty Oliveira (Oliveira,1987) argumenta as dificuldades de se estabelecer a caracterização dessa função política "Essas dificuldades, na verdade , decorrem de uma outra, isto é, a dificuldade de se compreender tanto o que é especificamente político, quanto o que é relação recíproca entre esses dois pólos - função política e função social - (distintos mais complementares) no processo de transmissão-assimilação do saber elaborado".

Ate aqui temos uma função social da educação num âmbito geral, porém será necessário investigar no campo específico do ensino médio, cujo a produção acadêmica é bastante restrita. Dai a necessidade de uma maior compreensão da temática em questão.

Outro ponto a se considerar é o grupo sujeito da investigação, ou seja o estudante do ensino médio da escola pública paulista. De maneira geral o grupo sujeito nos remete ao conceito de adolescência, já que no quadro teórico disponível é ai que o grupo se encaixa.

 
 

Winnicott, nos dá um bom referencial para o entendimento psicodinâmico da adolescência. No capítulo "Adolescência: transpondo a zona de calmaria"( WINNICOTT,1993) o autor abre com a seguinte informação: "É-nos permitido supor a existência de uma conexão entre esse desenvolvimento de nossa consciência social e as condições específicas da época em que vivemos.", no caso de nossas pretensões investigativas esta conexão seria condição. Em Winnicott os jovens adolescentes não querem ser entendidos e ainda que seja essa, uma fase onde eles procuram desvelar o mundo. O seu "estar em", é uma experiência viva no ato de retirar o véu de seu existir.

A sociedade busca a cura para a adolescência. Mas se existe, não é de interesse dos próprios; "a cura da adolescência vem do passar dos tempos e do gradual desenrolar dos processos de amadurecimento". ( WINNICOTT,1993) O processo adolescente se configura como preparatório para o aparecimento da "pessoa adulta", se faz necessário a transição. Não se pode antecipá-lo ou retardá-lo, mas podem ser invadido e destruído pelo adultocentrismo. O mundo adulto se irrita com o fenômeno adolescente, e facilmente é veiculado pelos jornais e autoridades da sociedade organizada, sem, no entanto, se os mesmos atenham-se para o fato de que esse processo será responsável pela formação de um adulto consciente e integrado na mesma sociedade que os condena.

No mesmo sentido, Knobel leva em consideração a bagagem biológico individual e propõe grupos de orientação de pais, argumentando que, o processo adolescente deve ser entendido, também pelas influências espaço-temporais e que se trata de um processo, Portanto o adolescente está em desenvolvimento; "penso que a estabilização da personalidade não consegue sem passar por um certo grau de conduta patológica que conforme o meu critério, devemos considerar inerente a evolução normal desta etapa da vida (ABERASTURY,1981)

Winnicott propõe que este processo é conturbado, já pelo fato de o adolescente, ter que lidar com as mudanças puberais, principalmente ao que se refere ao desenvolvimento da sexualidade, como convêm a uma abordagem psicanalítica; "a expediência prévia de cada adolescente, organiza-se modos de combater a tensão ou aceitar e tolerar os conflitos inerentes a tais condições, essencialmente complexas". ( WINNICOTT,1993) Nesse bojo estão contidos todas aquelas características previstas pela Psicanálise: o que é herdado e o que é adquirido; fixações pré genitais, experiências instintivas, resíduos de dependência e de implacabilidade infantis.

 
 

Neste panorama o adolescente se constitui com tudo o que tem de forma inconsciente e tudo que ainda tem por experimentar, o que possibilita uma nova reinvestida do id. Além dessa configuração, Winnicott, propõe uma ampla influência do ambiente e nos lembra da "vital importância do ambiente familiar". O adolescente é um ambivalente. Um misto de dependência e rebeldia, que em certos momentos até coexistem. O adolescente é por essência um isolado e, segundo esse autor, condição da socialização. Nesse sentido o adolescente retoma os estados latentes; "O bebê é um ser isolado ao mesmo tempo em que repudia o não-eu e constitui-se como um indivíduo distinto, capaz de relacionar-se com objetos externos ao self à área de controle unipotente" ( WINNICOTT,1993). Os grupos de adolescentes, constituiem-se em turbas, juntamentos de isolados, agregados cujo a proximidade se dá pelo gosto ou pela "organização paranoide de reação ao ataque".

 
 

 
 

Existe uma hora exata para adolescer? Winnicott fala do preço a pagar pela exigência moderna do não adolescer; "os adultos que foram privados da adolescência não gostam nada de verem meninos e meninas florecendo a sua volta" ( WINNICOTT,1993).

 
 

Na busca de sua identidade adulta, adolescente de Winnicott se depara com as mudanças sociais, que por sua vez são modificadoras das ordens éticas e morais. O autor fala de três dessas mudanças que encrementaram a liberdade sexual; na primeira, trata das doenças venérias que através dos avanços da medicina deixou de ser "os agentes enviados pelo deus punitivo", no tempo de Winnicott, não havia ainda o advento do HIV. A segunda se configura pelo afastamento da possibilidade de gerra, que teve como conseqüência a desmilitarização disciplinar dos jovens adolescentes, e por fim o grande avanço dos métodos contraconceptivos. Assim o autor conclui: "Ao examinarmos o problema adolescente, aceitamos o fato de que o adolescente moderno tem a opção de experimentar todo o território da vida sensual sem a agonia mental acarretada pelo medo de uma concepção indesejada". ( WINNICOTT,1993).

 
 

O adolescente Winnicottiano, não aceita falsas soluções, Busca uma cura imediata mas não aceita qualquer tipo de cura, e assim reserva aos adultos o papel de meros observadores. O adolescente encontra-se neste momento no papel de reconstruir, "luta para sentir-se real" trava batalhas intermináveis para definir sua identidade pessoal, busca seu viver sem se conformar com os papéis pré estabelecidos. Assim o adolescente tem necessidades: necessidade de evitar o falso remédio, necessidade de sentir-se real, necessidade de sentir-se dependente e dar vazão a sua rebeldia, necessidade de aguilhoar repentinamente a sociedade. Toda esta configuração, que apesar de se assemelhar a situações patológicas, são passageiras e necessárias a construção do adulto.

 
 

Winnicott conclui suas observações sobre o adolescente frisando a comum atitude anti-social. Segundo ele a raiz da tendência anti-social é a privação e a carência. E no caso de patologias isto pode estar associado a rupturas familiares. No caso adolescente, podemos seguir o raciocínio de A Aberastury que nos fala do luto pela morte do corpo infantil (ABERASTURY,1981) Assim semelhante a atitude patológica o adolescente de Winnicott busca de modo violento ou não "obrigar o mundo reconhecer sua dívida". Pede ao mundo que recostrua suas estruturas perdidas; "no caso de um ou dois indivíduos que se dispõe a tomar uma atitude concreta de provocação a sociedade cria no agregado uma coesão, cria nos outros membros, e estrutura temporariamente o grupo. Nenhum dos membros faltará a lealdade e todos darão apoio à aquele que agir pelo grupo, embora nunhum deles aprovasse essa atitude em si mesmo" ( WINNICOTT,1993).

 
 

A compreensão do adolescente segundo Winnicott nos ofereceu um bom referencial psicodinâmico, porém estaríamos compartilhando de um certo conformismo se aceitássemos o fenômeno como apenas normal e transitório. No caso da realidade brasileira onde a violência adolescente se dá de forma cada vez mais intensa, nos obriga a pensar em mecanismos de inferências sociais que possibilitem um futuro melhor para os nossos filhos e netos.

 
 

A dúvida então passou a ser, como adequar os conteúdos até agora levantados à realidade brasileira. O texto de David Léo Levisky (LEVISKY ,1997), levado ao Iº encontro Adolescência e Violência realizado em outubro de 1994 na Escola Paulista de Medicina na cidade de São Paulo, nos possibilita entender essa mesma psicodinâmica, só que contextualizada em nossa realidade nacional.

Levisky, nos apresenta uma sociedade brasileira passiva e conformista em relação a violência, uma sociedade que não vê a violência como sintoma de uma patologia social. Para ele a "lei de Gerson"e o "geitinho brasileiro"são pré-requisitos de interação social. E nesse sentido, adverte sobre a passibilidade dessas condutas se tornarem valores culturais válidos, se já não o são.

 
 

Para o autor a tomada dessas condutas como valores válidos vai de encontro à expectativa de identificação, características do desenvolvimento adolescente. Vivemos num tempo onde o virtual e o real se confundem e o viver tornou-se sobreviver. Esta situação caracteriza a ambivalência do mundo contemporâneo. De um lado a estrondosa evolução tecnológica e de outro o retrocesso ao estado primitivo da humanidade. Estamos diante, segundo Levisky, de um profundo conflito de identidade que reflete a "condescendência para com indivíduos e instituições que poderiam preservar a qualidade da evolução ética" (LEVISKY ,1997),

 
 

Tal permissivismo gera uma profunda quebra de papéis, além de neblinar as noções do bom e do mau ofuscando o homem bom, a lei, os bens comuns e a memória, o que possibilita um "modelo caótico e idealizados de identificação".

 
 

O adolescente busca no transcurso de sua formação adulta, "reproduzir, imitar ou estabelecer concluios, conscientes e inconscientes como forma de contestação e de auto-afirmação". E se, seus referenciais identificatórios são estabelecidos por esta postura caótica, teremos como resultado a "psicotização da sociedade"e consequentemente o aumeto da violência: "A sociedade democrática organiza-se dentro de certas normas, teoricamente em condições de igualdade para todos. Mas na realidade, as ações podem ser diametralmente opostas, gerando, aumento de tensão, desorganização e desrespeito, humilhando o cidadão, gerando intensas frustrações e descargas agressivas, que vão servindo de ingredientes para a violência moral e física. Ao meu ver, isso é fruto da ausência simbólica de pais, dito de outra forma, devido a falta de sistemas sociais efetivos e continentes das angústias de seus integrantes".

 
 

Primeiro, o autor entende a violência em duas instâncias, aceitável e a inaceitável. No caso da primeira é aceitável em função da preservação do bem comum, como no caso de guerras. Assim a cultura é expressão de violência. O indivíduo, segundo o entendimento psicanalítico, conta em sua constituição de impulsos agressivos e libidinais, que vem a tona em forma de sublimações em função de uma vida social viável. No caso do adolescente esses impulsos vêm a tona segundo os processos primários, ou seja pelas vias eferentes, sem o processo de sublimação. Isto se dá em função da necessidade de satisfação imediata do desejo.

Além dessas características, o adolescente está sujeito a fragilidade egóica com predominância de mecanismos psíquicos primitivos o que provoca uma diminuição em suas possibilidades de "postergar, substituir, ponderar, ou reprimir seus desejos". Por outro lado temos uma sociedade contemporânea "facilitadora de situações que levam a prolongar a adolescência como estado de mente, até mesmo perpétuá-la, favorecendo a ambivalência, as cisões a tendência a passagem ao ato e baixos teores de responsabilidade".

Levisky, argumenta assim, a ação da patologia normal, como possibilidade de auto-afirmação de constatação, tendo de um lado, o modelo caótico e de outro, o grito de desespero por querer "recuperar algo que foi perdido ou não adquirido durante o processo evolutivo, e que necessita, na adolescência ser resgatado, se não pela família, pela sociedade". Nesse sentido o adolescente se depara com pais incorporados conforme sendo maus ao até inexistentes que por sua vez é representado por líderes despreparados: "É durante a adolescência que se tem uma segundo grande oportunidade para o oferecimento de condições construtivas ao desenvolvimento da estrutura de personalidade dos jovens, a partir da interação com a sociedade da qual fazem parte e na qual vão buscar seus novos modelos identificatórios" (LEVISKY ,1997). Os adolescente buscam novos aspectos a serem incorporados, ou mesmo para aprender a lidar com parte de seu eu, fora do seio familiar. Esse encontro nem sempre se integra a estrutura já estabelecida de sua personalidade. No contexto da sociedade brasileira encontramos incrementos da violência que ponderam ser incorporados pelos adolescentes e, segundo o entendimento psicanalítico, em função dos primeiros valores psicossociais estarem ligados aos processos narcísicos e do ego ideal o indivíduo poderá passar por um processo regressivo que desencadeará a perda da identidade individual para a incorporação da identidade grupal.

Assim, em decorrência da vertiginosa velocidade com que se transformam os valores morais, culturais e sociais, temos um estado de instabilidade e insegurança que favorecem a descarga impulsivas que se configurarão ao cotidiano. A violência, então passa a ser parte dos modelos identificatórios e nos coloca a mercê do Eros e Tanatos; "A identidade como um aspecto da personalidade pode ser compreendida como a resultante de uma multiplicidade de identidades parciais que, a semelhança de um caleidoscópio, tem elementos invariáveis e outros mutáveis, os quais contribuem para a formação de diferentes configurações afetivo-cognitivas e sociais da personalidade. A identidade em seus múltiplos aspectos, será agente modificador da cultura e sofrerá as conseqüências de tais mudanças"(LEVISKY ,1997). Cabendo assim a educação de nível médio papel fundamental na construção desses modelos identificatórios.

A partir do presente quadro, onde se define, teoricamente, uma função social da educação e partindo-se de um quadro de compreensão psicodinâmico do recorte social a que se pretendeu investigar, levando-se em conta que identificar o ideário desse recorte, pela representação social, é fundamental para que se criem mecanismos de minimização da psicotização do grupo sujeito o estudo se valeu da técnica do grupo focal (SCRIMSHAW, 1988) .

Nesse sentido tanto o grupo sujeito, quanto o grupo de controle apresentaram indícios de que o comprometimento com a função social da escola, é o estabelecimento de objetivos a apartir dos conteúdos oferecidos seriam indícios de maior adaptabilidade dos jovens em sua inserção social, já que o ensino médio se apresenta, segundo a representação social investigada, como intercurso para uma vida profissional que responda os ditames da expectativa social vigente.

Por outro lado percebeu-se que a função de transmissão cultural, assim como o uso de instrumentais necessários a socialização ficam ofuscados pela necessidade de inserção no mundo acadêmico. O conteúdo transmitido assume o papel de chave para a continuidade de estudos e não como instrumental de interpelação social, apesar de em determinados momentos, no ideário dos grupos investigados, essa função se apresentar em forma de discurso.

O antropólogo Edward Bruner (citado por Morais,1989) no apresenta o seguinte conceito "Cada homem é em certos aspectos, como todos os outros homens; como alguns outros homens; como nenhum outro homem". E é a partir dessa universalidade, regionalidade e individualidade que nos propomos compreender as representações sociais da função social da escola em alunos do ensino médio paulista. Buscamos essa compreensão no sentido de uma epstemologia a fim de que a estrutura educacional se dote de consciência.

Para tanto devemos nos remeter ás Representações sociais, no sentido de que seja considerado tanto o comportamento social como também os fatos sócias, que no nosso caso poderá ser traduzido pela função social da escola. Nessa perspectiva voltemos aos objetivos de Moscovici em estabelecer uma vertente psicossociológica inovadora. Como já tive a oportunidade de demonstra na introdução, o pesquisador francês foi buscar em Durkheim o presuposto básico para o trato das "representações sociais". Nesse sentido ele parte, segundo nos informa Celso Pereira de Sá (in SPINKY,1995), do conceito de "representações coletivas" que tratam de fenômenos como: religião, os mitos, a ciência etc, entendendo como incorporados pelos grupos e assim compreendidos como fatos sociais, coisas reais por elas mesmas; "São produtos de uma imensa cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no tempo, para fazê-las, uma multidão de espíritos diversos associaram, combinaram suas idéias e sentimentos; longa série de gerações acumularam aqui sua experiência e saber" (citado por Sá in SPINKY,1995), o que se propões como referência de características básicas do comportamento e pensamento do indivíduo, a saber: autonomia, exterioridade coercividade.

As representações coletivas estariam para a sociedade como formas elementares o que para a realidade contemporânea se faz esmaecida. A nova proposta apresentada por Moscovici, entende não as representações coletivas de Durkheim mas representações configuradas ao nosso estado atual de interpretação. As representações sociais se apresentam dinamicamente, diferentes daquelas que herdamos das sociedades primitivas. São as representações que são importantes, até pelo fato da heterogeneidade e flutuação dos sistemas unificadores. Assim o autor francês se distância da perspectiva sociologisante proposta por Durkheim, argumentando que as representações coletivas não suportam a diversidade do conhecimento gerado pela comunidade científica e transmitido pelas infovias, ou ainda que, para nos apropriarmos do conteúdo das representações necessitamos da plasticidade, da mobilidade e da possibilidade inexistentes na visão durkheiniana. Por fim Moscovici propõe que a nova concepção de representação tenha a possibilidade de ser inferida cientificamente, e dessa forma diferente das representações coletivas que se configuravam por serem autoexplicativas.

Moscovici propõe um aparato técnico científico que se configure num meio termo entre a psicologia e as ciências sociais, mas sem deixar de antever os possíveis riscos: "No caso das representações sociais de que se torne uma forma de conhecimento acarreta o risco de reduzi-la a um evento intra-individual onde o social intervêm apenas secundáriamente, o fato de se tratar de uma forma de pensamento social acarreta o risco de diluí-la nos fenômenos culturais e ideológicos" (in SPINKY,1995).

Levando em conta que os adolescentes, comumente, "fazem uma articulação ou combinação de diferentes questões ou objetos, segundo uma lógica própria, em uma estrutura globalizante de implicações, para a qual contribuem informações e julgamentos valorativos colhidos nas mais variadas fontes e experiências pessoais e grupais". (in SPINKY,1995) Assim se configuram "verdadeiras teorias do senso comum" responsáveis pela construção da realidade social. Mas poderíamos estar nos perguntando qual a origem desses conhecimentos, e Sá nos responde: "Trata-se com certeza, de uma compreensão alcançada por indivíduos que pensam. Mas não sozinhos. A semelhança de seus pronunciamentos - se não com os dois interlocutores do momento, pelo menos com os outros grupos que participe- demonstra que terão pensado juntos sobre o mesmo assunto" (in SPINKY,1995). Assim a gênese das representação coincidem com o momento em que se processam, caracterizando-se pelo nosso existir no cotidiano. Tratuzindo, estamos diante de uma noção que entende a sociedade como um organismo pensante, e nesse sentido se diferencia de uma perspectiva estritamente sociológica, pois não intende os mecanismos de controle ideológicos e nem uma perspectiva estritamente psicológica, pois não entende a mente como receptoras de informações de fora e processadora dessas informação que se transformarão em opiniões e conceitos. Entende o indivíduo como pensador ativo que produz e comunica pensamentos.

Nesse sentido para se ponderar as representações sociais devemos levar em conta duas classes de pensamento: "o universo reificado" produzido pelo pensamento erudito e o "universo conceitual" produzido pela "atividade intelectual da interação cotidiana - as representações sociais". O conhecimento adquirido pelos mecanicismos científicos são repassados ao cotidiano via formadores de opinião; veículos de comunicação, professores e autoridades sociais. Assim a matéria prima das Representações sociais é o universo reificatório e segundo esta dinâmica são produzidos novos sensos comuns.

Partindo de que tenho um problema definido - As representações sociais da função social da escola entre alunos do ensino médio na escola pública paulista. E, que a problemática estaria na existência, ou não, de uma correspondência, dessa, com a produção acadêmica.

E se como já defini anteriormente para que possa inferir junto aos recortes sociais determinados pela investigação fez-se necessário a análise documental prévia, referentes a cada um dos conceitos a serem abordados, A primeira fase metodológica se deu pela pesquisa bibliográfica de cada um desses conceitos a começar pelo primordial de nossos objetivos, a produção científica da função social da escola de ensino médio.

Em seguida, partiimos para a investigação, também bibliográfica, relacionadas ao quadro conceitual de: interação social, psicodinâmica adolescente, representação social e suas possíveis interrelações. O material advindo dessa investigação se configurará no referencial básico para as inferências nos ditos recortes sociais já estabelecidos por nossa problemática, já na segunda fase metodológica.

Nessa segunda fase, como se tratou de identificar os conteúdos da representação social, tomamos como referência a metodologia usual do estudo empírico das representação sociais.

Tal metodologia tem uma dimensão multidisciplinar e outra intradiciplinar. Na dimensão multidisciplinar o estudo das representações sociais se dá mediante a contrastes, como por exemplo: Nas ciências sociais a ênfase esta na relação entre produções mentais, dimensões materiais e funcionais da vida cotidiana, cujos conteúdos cognitivos são remetidos a processos exteriores, assim como partes constituídas de uma ideologia. Na psicologia cognitiva a representação está remetida ao "que é e como é conhecido" sem concidera-las expressivas em relações afetivas e emocionais, assim tratada como processo não social. Na psicologia social as representações são entendidas no seu conteúdo prático de intervenção nas instituições. Assim podemos notar que há consenso quanto multidisciplinariedade no entendimento das representações sociais enquanto forma de conhecimento. Na dimensão intradiciplinar, como nos apresenta Mary Jane Paris Spink (in SPINKY,1995) contamos com a marca da diversidade. E nesse sentido, na perspectiva da psicologia social " Essa diversidade tem suas raízes no debate epistemológico" em função da "precariedade da formulação conceitual e na falta de rigor das abordagens metodológicas adotadas pelos pesquisadores" que é de pronto defendida por Moscovici aqui apresentado pela autora: "Nossa reserva sobre os métodos rigorosos é motivada pela necessidade de levar em consideração o potencial de crescimento do enquadre conceitual. Sendo comparativamente recente, nossa teoria certamente tem um longo caminho pela frente antes de poder ser verificável ou falsificável. (...) Nossa idéia ainda precisa ser estimulada e cultivada, não há nada de ilógico em admitir isto, Estamos convencidos sobre suas implicações, nossa preocupação primeira é de enriquecer seus conteúdos e refinar o enquadre teórico. Ou seja, de lhe dar corpo, de lhe dar forma, uma vez que o objetivo é de desenvolver um domínio de saber original que nos ajude a compreender o que as pessoas fazem na vida real e em situações significantes. Não há dúvida de que para atingir esses objetivos temos que cofiar mais na criatividade dos pesquisadores do que em procedimentos conhecidos e testados" (in SPINKY,1995)

Assim estamos diante da representação social como um fenômeno complexo, conforme define Jodilet: "São fenômenos complexos cujos, conteúdos devem ser cuidadosamente destrinchados e referidos aos diferentes aspectos do objeto representado de modo a poder compreender os múltiplos processos que concorrem para a sua elaboração e consolidação como sistema de pensamento que sustentam as práticas sociais."( in SPINKY,1995) E nesse sentido é necessário entender como se dá o processo do pensamento individual em intercessão com o social. E para tanto, devemos, como nos apresenta Spink, empreender um triplo esforço, ou seja, compreender como os conteúdos, no nosso caso, histórico dos princípios e práticas segundo a pscodinâmica adolescente, pode inferir na elaboração das representações sociais deste grupo e ainda na estrutura de personalidade adolescente. Entender estes processos constitutivos e ainda como atuam no funcionamento social. E por fim entender o papel das representações sociais nas mudanças, que no nosso caso poderia se caracterizar pela evasão ou fracasso escolar.

Para tal devemos encaminhamo-nos a quatro níveis de pesquisa, dos quais através da articulação de dois ou mais níveis obteremos um estudo bastante diversificado. O primeiro nível referem-se aos processos intra-individuais, a maneira como o indivíduo organiza as experiências sociais. O segundo nível refecere-se aos processos interindividuais ou intersituacionais, comum as pesquisas de dinâmica de grupo. O terceiro nível se dá conforme o situacional e referem-se às pesquisas que exploram a diferença, resultante da posição ocupada em um determinado campo social e, por fim o quarto nível, referente ao ideológico, que processa a análise sobre as visões do mundo de determinadas sociedades, classes o segmentos de classes.

Além disso, procuramos estender as representações sociais enquanto produto e enquanto processo. Enquanto produto a pesquisa caminha para a compreensão dos pensamentos constituídos ou de campos estruturados, ou seja os pensamentos constitutivos das representações, informações, imagens, opiniões, crenças etc. Enquanto processos as representações se dão na forma de pensamentos constituintes ou núcleos estruturantes. E para o entendimento do funcionamento e eficácia na interação sociais pode se caminhar em duas direções. A primeira a partir dos mecanismos sociais que intervém na elaboração cognitiva segundo os processos de ancoragem e objetivação. A segunda analisando as propriedades estruturais da representação social, ou seja identificando os aspectos centrais - núcleo/ figurativo e os aspectos periféricos. Assim estudando as relações entre representações e comportamento, segundo a dinâmica de transformação das Representações Sociais. Em nosso caso seguiremos o caminho das Representações sociais enquanto produto, sem deixar de nos ater aos mecanismos que intervêm na elaboração cognitiva.

 
 

Como instrumental de trabalho nos valemos de análise de Grupos Focais assim definida por Srimshaw: ( 1988) "Um a seção de grupo focal, ou entrevista exploratória grupal é uma técnica Utilizada em investigação social. Uma seção de grupo focal é uma discussão com um número pequeno de pessoas guiadas por um facilitador ou moderador, falam livremente e espontaneamente sobre temas que se consideram de importância para a investigação. Os participantes são escolhidos dentre um grupo objetivo, cujo a opinião e idéias são de interesse para a investigação ".

Escolhida uma escola de segundo grau, cujo a característica primordial para a investigação era que estivesse credenciada em algum sistema de ingresso na universidade pelo acumulo de pontos em exames no decorrer dos três anos do ensino médio, procurou-se identificar o grupo sujeito que atendesse às necessidades do instrumentos. Assim foram selecionados sete sujeitos com um bom nível interrelacional já definido. Ou seja sujeitos que compartilhassem do mesmo espaço e com identidades aproximadas pelo convívio escolar e que estivessem inscrito para o dito sistema ( PAIES - Universidade Federal de Uberlandia).

O grupo de controle, foi escolhido aleatoriamente no mesmo estabelecimento, com a particularidade de não estarem inscritos no sistema.

Foi realizado uma seção de Grupo Focal com cada um dos segmentos selecionados, com a presença de um facilitador e com o uso de câmara de videoteipe para o registro da reunião. Cada um dos dois grupos foi composto de sete sujeitos com idade entre 15 e 16 anos cursando o segundo ano do ensino médio do período vespertino da mencionada escola de segundo grau da rede estadual de ensino. Cada uma das seções teve duração de aproximadamente 60 minutos.

A escolha de cada um dos sujeitos foi realizada mediante entrevista individual e anuência de sua participação no projeto de pesquisa.

Após a realização das duas seções de grupo focal foi processada a transcrição e análise dos dados obtidos segundo a metodologia descrita pela linha de pesquisa a que nos propomos> "as representações sociais".

Ancoragem e objetivação "Explicar as determinações perspectiva multidisciplinar das representações decorrentes da posição ocupada pelos diferentes atores sociais, ou explicitar os modelos coletivos disponíveis para uq o indivíduo possa dar sentido a sua experiência social.


ANÁLISE DE DADOS:

 
 

Nossa pretensão, nesse projeto, não foi alem do levantamento de hipótese para uma futura investigação a cerca das representações sociais da função social da escola entre alunos do ensino médio da rede de ensino estadual. Porem a análise dos conteúdos apresentados pelos dois grupos focais, mostrou-se profundamente elucidadora para nossas pretensões.

Quanto a função social da escola, propriamente dita, apresentada na revisão bibliográfica, onde entende-se como possibilitadora do instrumental necessário a interrelação social, distinguimos que no grupo sujeito esse instrumental é mediador de ingresso em uma nova fase da escolarização, a universidade. Enquanto que no grupo controle essa função é esmaecida pela possibilidade de freqüência de um curso pré-vestibular ao final do ensino médio, o que pontua a diferença entre ambas representações sociais .

O discurso de função da aprendizagem em ambos os grupos se apresenta como coordenado pelas falas do senso comum; No grupo sujeito, identificamos falas do tipo "Ir a escola para Ter maior conhecimento... se dar melhor la fora" no grupo de controle; "para não ser burro ou porque somos obrigados..." . Em ambos encontramos a função da educação aliada a uma base para um futuro de sucesso, porem, enquanto para o grupo sujeito o aprendizado tem reflexo na vida prática... "temos mais respostas para dar quando somos questionados pelos amigos" o grupo controle vê no currículo grande número de matérias sem utilidade... "por exemplo Física e Química, não servem para nada".

O discurso de que a educação abre o universo de possibilidades para a vida profissional também se faz evidente. No grupo sujeito isso se apresenta como chave de ingresso na universidade: "Se cai no vestibular me interessa, se não eu deixo para depois". No grupo de controle está mais relacionada com a situação emergente, "se parar agora pelo menos para Ter um serviço", nessa caso porem a fala não se caracteriza de que forma tais conhecimentos lhes garantiriam a posição no mercado.

Quanto a função de interação social, nota-se que no grupo sujeito a educação se apresenta mais como modelo de conduta e ação: "poderemos ser bons pais, dar uma educação melhor para os nossos filhos. Já entre os sujeitos do grupo controle essa interrelação esta mais pontuada no sentido de encontro de iguais, mas quando questionados obre a valoração entre a relação sociais e o conteúdos creditam maior valor ao segundo.

Pode-se notar ainda no grupo sujeito que o despertar para a função da escola se deu justamente no ingresso ao segundo grau. "no ginásio íamos por obrigação , sem saber muito bem por que, mas a partir do momento que se começa a estudar tendo em mente uma carreira a coisa ficou diferente..." Junto a essa descoberta veio também o reconhecimento da diferenciação em relação a outros estudantes da escola pública "o pessoal do noturno não estão tão comprometidos, alem disso tem menor qualidade... Será que depois o cara que estudou no noturno terá a mesma oportunidade de quem estudou como nós ( inscritos no Paies).

No grupo de controle, quando questionados, o porquê não se escreveram no sistema se colocaram como não sendo esse o seu momento de escolha de uma profissão... "Eu vou me matar durante três anos e se eu não passar .... Tem muita gente que não sabe o que quer fazer (profissão) A escola pública não deixa nada a desejar em relação às particulares , sendo assim quando acabar o terceiro vou pensar na faculdade..."

Sobre a função social propriamente dita o grupo sujeito se mostrou consciente de que assim que terminarem seus estudos poderão devolver para a sociedade o que adquirindo "Transferindo para outras pessoas através da profissão".

Questões que envolvem a qualidade do conteúdo, foram levantadas em ambos os grupos. No grupo de controle se questionou a falta de informação em relação a escolha da profissão, assim como a falta de envolvimento dos setores organizados da sociedade.


CONCLUSÃO:

 
 

Não foi a nossa pretensão fechar a questão das representações sociais da função social da escola entre alunos do ensino médio da escola pública paulista, mas sim lançar as sementes para novos procedimentos técnicos e teóricos que apresentem de forma mais particular respostas que nos possibilitem o entendimento de tal questão.

A análise dos grupos focais seria um primeiro instrumento a ser usado nesse caminho. Porem foi-nos possivel atentar para o fato que o ensino médio na rede pública sem que se tenha-o como possibilidade de ingresso no terceiro grau, se apresenta na representação social, do estudante, mais como continuidade de um mal necessário do que como um conjunto de instrumentos de interação social como pretendem as linhas teóricas aqui apresentadas.

Quanto a função de modelo de responsabilidade na minimização dos estados de violência característicos do segmento estudado, nos parece que quando aliado a idéia de chave de ingresso no terceiro grau, a educação atende mais a esse papel.

Lembrando sempre que a entrevista exploratória é apenas um dos instrumentos que possibilitam tal compreensão deixamos aqui pistas para que se aprofundem na problemática e nesse sentido estaríamos, sem duvida contribuindo para a metamorfose necessária para que se ganhe em qualidade de vida.


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TRANSFERÊNCIA

TRANSFERÊNCIA:

RESISTÊNCIA OU INSTRUMENTO DE ANÁLISE

 
 

 
 

 
 

INTRODUÇÃO

No vocabulário de Psicanálise (Laplanche,1992) O verbete Transferência, por sí mostra a diversidade e complexidade por que enredou no transcurso da teoria psicanalítica. De forma geral encontramos que transferência: 'Designa em psicanálise o processo pela qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada. É à transferência no tratamento que os psicanalista chamam a maior parte das vezes transferência, sem qualquer outro qualificativo. A transferência é classicamente reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidade, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este". (p514).

 
 

Se partirmos dessa breve apresentação do conceito fornecida por Laplanche, poderíamos nos iludir com tal simplicidade, isso, se o próprio Lapranche em seu vocabulário, já não nos tivesse alertado da complexidade do conceito. Mas para o melhor desencadeamento de nossa problemática, contrapondo a breve apresentação descrita, recordemos as palavras finais do último parágrafo do artigo "Sobre o início do tratamento": ". Em cada caso, temos de esperar até que a perturbação da transferência pelo aparecimento sucessivo de resistências transferenciais tenha sido removida."(Vol XII pag.187) . Assim podemos já de imediato identificar uma certa ambivalência no conceito. Na apresentação feita por Laplanche identificamos o conceito de Transferência servindo como pilar do processo psicanalítico, já na passagem citada, notamos a presença de uma ramificação do conceito, com a caracterização de "resistência transferencial".

 
 

Enveredar pêlos caminhos e problemáticas que o conceito de transferência nos oferece seria por demasiado complexo e nos exigiria, maior tempo do que dispomos para tal. Nesse sentido centramos na problemática proposta a cima. Como que um dos pilares da resolução da análise psicanalítica pode ser ao mesmo tempo as consecução de um dos mais poderosos mecanismos de resistência a mesma?

 
 

No presente trabalho, propomo-nos a investigação de tal problemática, sem no entanto, nos atermos a outras possíveis ramificações que poderiam advir de tal questionamento, que por certo se faz presente em todo o percurso do desenvolvimento da teoria psicanalítica. Também não é nossa intenção identificar uma solução para tal problemática. Atemo-nos aqui, a discussão de tal ambigüidade, que para nós já se mostrou suficiente para uma melhor compreensão dos quadros que possam perpassar nossas vidas profissionais.

 
 

Estabelecida a problemática, passamos a leitura do conceito nos diversos contextos em que foi apresentado no decurso do desenvolvimento da teoria. E nesse sentido procurou-se estabelecer os que mais possibilitassem a compreensão da dicotomia apresentada. O conceito de Transferência, podo ser identificado, em sua forma embrionária, já nos primeiros trabalhos da teoria. A célebre passagem do enamoramento de Breuer por Ana O, apesar de não ser descrita pelo criador da Psicanálise como transferência e Contratransferência pode ser sentida como tal. Dez anos separam esse episódio da compreensão estabelecida pelas comunicações preliminares ( 1895), que efetivamente marcaria a criação da teoria da transferência. Nesse sentido as elaborações teóricas de Freud sobre o conceito, como a maioria de seus achados, se deu de forma paulatina e contínua.

Percorrer os caminhos intrincados em que se desenvolveu o conceito de transferência, foi-nos suficiente para que identificasse-mos o contexto da problemática. Nas comunicações preliminares de 1985 temos a transferência como uma das mais fortes formas de resistência:" Reiteradamente, quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a consciência e defendida com a maior obstinação." (p138), ao mesmo tempo em que se apresenta como fundamental ao trabalho analítico: " Na verdade, uma relação de dependência afetuosa e dedicada pode, pelo contrário, ajudar uma pessoa a superar todas as dificuldades de fazer uma confissão."(p139).

 
 

E nesse caminho encontramos as bases da discussão.

 
 

A final do percurso a que nos propomos, identificamos que apesar da ambigüidade do conceito, Freud usa-o categoricamente no intuito de que, é a partir da transferência que se pode chegar ao desconhecido da gênese das neuroses, assim como nos alerta para os possíveis perigos que a trama da transferência podem apresentar.

 
 

DESENVOLVIMENTO:

 
 

Para justificar a transferência Freud se remete a duas porções da energia libidinal uma consciente e outra inconsciente(1912). Argumenta que todo indivíduo, pelo que trás de inato ou que adquire no transcurso do desenvolvimento de sua personalidade apresentam "métodos próprios de condução de sua vida erótica". E que somente parte do impulso libidinal, que serve a esse fim, passou por todo o processo da vida psíquica. Assim podemos entender que Freud argumenta que a parti consciente desse impulso tende a busca de objetos para o seu amor, que são oferecidos pela realidade, porem outra parte estaria afastada da realidade, impedida de expansão ulterior, podendo-se realizar na fantasia ou ficando profundamente inconsciente: "Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que encontra com idéias libidinais antecipadas; e é bastante provável que ambas as partes de sua libido, tanto a parte que é capaz de se tornar consciente quanto a inconsciente, tenham sua cota na formação dessa atitude." (1942 p.134).

Nesse caminho Freud justifica, a tendência ao amor pela figura do médico. Se a catexia procura protótipos, e se o referido médico apresenta tais estereótipos, este estaria sujeito aos caprichos da imago paterna, ou até fraterna de seu cliente. A transferência estaria justificada dessa forma, por idéias antecipadas tanto de instâncias conscientes como de instância inconscientes.

Porem mesmo Freud propõe que tal apresentação parece simplista frente a complexidade do problema e argumenta: "Nada mais haveria a examinar ou com que se preocupar a respeito deste comportamento da transferência, não fosse permanecerem inexplicados nela dois pontos que são de interesse específico para os psicanalistas. Em primeiro lugar, não compreendemos por que a transferência é tão mais intensa nos indivíduos neuróticos em análise que em outras pessoas desse tipo que não estão sendo analisadas. Em segundo, permanece sendo um enigma a razão por que, na análise, a transferência surge como a resistência mais poderosa ao tratamento, enquanto que, fora dela, deve ser encarada como veículo de cura e condição de sucesso."(1942 p.135). É nesse caminho que discorreremos a problemática; pode a transferência ser condição de cura, ao mesmo tempo que representa a mais forte expressão de resistência?

Para tanto partiremos para a conceitualização do termo transferência.

No dicionário de termos de psicanálise de Freud (Cunha,1978 p.215) encontramos a definição de transferência na análise: "O paciente vê no seu analista o retorno - a reencarnação - de algumas figuras importantes de sua infância ou de seu passado e, consequentemente, a ele transfere sentimentos e reações que, sem dúvida, se aplicavam a esse modelo. Logo se evidencia que este fato da transferência é um fator de um importância não imaginada - por um lado, um instrumento de valor insubstituível e, por outro, uma fonte de sérios perigos. Esta transferência é ambivalente; compreende tanto atitudes positivas e afetuosas, quanto negativas e hostis em relação ao analista que, via de regra, é posto no lugar de um dos pais do paciente - pai ou mãe. Na medida em que é positiva, nos serve admiravelmente. Altera todas a situações analíticas e desvia o propósito racional do paciente de se tornar bom e livre de seus problemas. Em vez disso, emerge o propósito, de agradar o analista, de merecer o seu aplauso e o seu amor. Isto se torna a verdadeira força motriz para a colaboração do paciente; o ego fraco se torna forte; sob a influência deste propósito, o paciente atinge coisas que, de outro modo, estariam além do seu alcance; seus sintomas desaparecem e ele parece Ter se recuperado - tudo isso simplesmente a partir do amor pelo analista... Os êxitos terapêuticos, que têm lugar sob influência da transferência positiva, estão sob a suspeita de serem de natureza sugestiva. Se a transferência negativa obtém a primazia, eles são soprados como espuma do mar, pulverizada pelo vento"

Já no verbete "Analista, influência do" (Cunha,1978 p.10), podemos encontrar que "Tal influência realmente existe e desempenha um papel importante na análise. Não empregamos esta influência pessoal - elemento sugestivo - como é feito na sugestão hipnótica, para suprimir os sintomas que o paciente sofre. Alem do mais, seria um erro pensar que esse elemento resiste ao impacto e proporciona o principal auxílio no tratamento. No princípio, sim, mas, mais tarde, atrapalha os nossos propósitos analíticos e nos força a adotar contra-medidas mais extensivas... O neurótico dispõe-se à tarefa, porque ele crê no analista, e acredita nele porque começa a nutrir por ele certos sentimentos. De fato, a atitude é - para dizê-lo cruamente - uma espécie de enamorar-se. O paciente repete, na maneira de enamorar-se pelo analista, experiências psíquicas, pelas quais passou antes: transferiu, ao analista, atitudes psíquicas, pelas quais passou antes; ele transferiu, ao analista, atitudes psíquicas disponíveis dentro dele e que estavam intimamente relacionadas com o início de sua neurose. Ele também repete, ante os nossos olhos, suas antigas relações de defesa e nada mais quer do que repetir todas as vicissitudes daquele período esquecido, em suas relações com o analista. Assim, o que nos está mostrando, é o próprio âmago de sua vida mais íntima; ele está reproduzindo-a, perceptivelmente, como se, em vez de lembrar, tudo estivesse acontecendo no presente. Através disso, o enigma do amor transferencial é resolvido e, com própria ajuda da nova situação, que parecia tão ameaçadora, o analista pode progredir."

Partindo desses dois exemplos podemos confirmar a ambigüidade do conceito a que nos propomos, porem seria necessário apreender, aqui a evolução de tal teoria dentro da obra de Freud, para tanto nos remeteremos a Etchegoyen (1987), que nos apresenta esse percurso. O autor argumenta que a teoria da transferência se apresenta, de um lado, como se tivesse vindo ao gênio de Freud de uma única vez, de outro, pelo desenvolvimento lento no decurso de sua produção. Assim no primeiro sentido podemos nos referir a teoria em sí e no segundo aos detalhes.

 
 

TENTATIVA DE UM POSICIONAMENTO HISTÓRICO DO CONCEITO NA OBRA PSICANALÍTICA:

 
 

 
 

 
 

Para maior entendimento do conceito é necessário nos remetermos a primeira aparição do que posteriormente viria a significar a ambígua transferência. O primeiro relato remete-se ao episódio que envolveu Breuer e Anna O, mas nesse momento Freud não estabelece nenhuma conexão entre o enamoramento e a terapia e o episódio é relatado como um drama sentimental, comum, humano igual a qualquer outro. Se partirmos de que, desse ponto até as "comunicações preliminares" ( 1895) decorreram dez anos, podemos entender que a teoria teve um longo desenvolvimento até chegar a problemática a que nos propomos.

Um outro documento onde os germes da teoria da transferência aparece, é o capitulo IV da psicoterapia da histeria(V II, 1895). Nesse artigo a idéia de transferência como um falso encontro, já se mostra categoricamente. Freud parte da discussão a respeito da confiabilidade da coerção associativa, e argumenta três situações onde se pode identificar o fracasso da técnica; a primeira se dá quando não há mais o que se investigar em uma área determinada; a segunda pode ser descrita como uma resistência interna, e por fim uma resistência externa. Essa última enquanto resistência externa pode ser demonstrado por três casos diferentes: pela ofensa, dependência e falsa ligação.

" (1) Quando há uma desavença pessoal - quando, por exemplo, a paciente acha que foi negligenciada, muito pouco apreciada ou insultada, ou quando ouve comentários desfavoráveis sobre o médico ou sobre o método de tratamento. Esse é o caso menos grave. O obstáculo pode ser superado com facilidade por meio da discussão e da explicação, muito embora a sensibilidade e a desconfiança dos pacientes histéricos possam às vezes atingir dimensões surpreendentes.

(2) Quando a paciente é tomada pelo pavor de ficar por demais acostumada com o médico em termos pessoais, de perder sua independência em relação a ele, e até, quem sabe, de tornar-se sexualmente dependente dele. Esse é um caso mais importante, pois seus determinantes são menos individuais. A causa desse obstáculo reside na especial solicitude que é inerente ao tratamento. A paciente tem então um novo motivo para a resistência, que se manifesta não só em relação a alguma reminiscência específica, mas a qualquer tentativa de tratamento. É muito comum a paciente se queixar de dor de cabeça ao iniciarmos a técnica da pressão, pois em geral seu novo motivo para a resistência permanece inconsciente, expressando-se por meio de um novo sintoma histérico. A dor de cabeça indica que ela não gosta de se deixar influenciar.

(3) Quando a paciente se assusta ao verificar que está transferindo para a figura do médico as representações aflitivas que emergem do conteúdo da análise."
No terceiro caso o paciente adscreve ao médico representações desprazeirosas que emergem durante a tarefa. Uma transferência que se leva a cabo em função de uma conexão errônea equivocada e nesse sentido ele denomina de falsa ligação. A saída para tal situação é descrita por Freud a partir da elucidação do engano. Freud argumenta ainda que após o restabelecimento da situação aquelas associações reaparecem sob a forma de recordações patológicas e, nesse sentido já antecipava potencialmente o que viria a propor como teoria da transferência.

Já no epílogo do caso Dora em "fragmentos da análise de um caso de histeria (Vol. VI 1905) Freud desenvolve uma teoria ampla sobre a transferência. Ali ele argumenta que durante o tratamento psicanalítico a neurose deixa de produzir novos sintomas, porém seu poder, que não se extinguiu, se aplica na criação de uma classe especial de estruturas mentais, nem sempre conscientes, denominada por ele de Transferência. Essas transferências seriam impulsos ou fantasias que se fazem consciente durante o tratamento com a particularidade de que os personagens investidos são, agoira, encarnados na figura do médico. Tais fantasias se apresentam como reimpressões de imagens estabelecidas no início do transtorno, ou como novas imagens que estariam associadas a sublimação. Para ele a transferência seria inevitável ao tratamento psicanalítico. E se a transferência não pode ser evitada é porque o material patológico tende a se manter inacessível. Nesse artigo já se apresenta o dilema da transferência em suas duas vertentes como obstáculo e como agente da cura. Freud assim argumenta que o tratamento não cria a transferência, mas descobre, assim que ela existe fora e dentro da análise. Ela é descoberta continuamente no decorrer da análise.

Após esse breve histórico do conceito, podemos nos remeter ao artigo "a dinâmica da transferência" (1912 vol.XII p133). Como antecipamos no início é justamente nesse artigo que encontraremos a teoria da transferência em toda a sua completude. Ja argumentamos que a origem da transferência está na parte da energia libidinal inconsciente que se apega a estereótipos que o sujeito traz do desenvolvimento de sua personalidade. Resta agora estabelecer as relações da transferência com a resistência e a conseqüente problemática aludida a partir da noção de uma resistência positiva. Freud demonstra que: "o problema de saber por que a transferência aparece na psicanálise como resistência - está por enquanto intacto; e temos agora de abordá-lo mais de perto. Figuremos a situação psicológica durante o tratamento. Uma precondição invariável e indispensável de todo desencadeamento de uma psiconeurose é o processo a que Jung deu o nome apropriado de 'introversão'. Isto equivale a dizer: a parte da libido que é capaz de se tornar consciente e se acha dirigida para a realidade é diminuída, e a parte que se dirige para longe da realidade e é inconsciente, e que, embora possa ainda alimentar as fantasias do indivíduo, pertence todavia ao inconsciente, é proporcionalmente aumentada."(p.136). O processo psicológico se constitui, assim a partir da introversão que reconhece dois fatores de realização, sendo que o primeiro se refere a ausência de satisfação no mundo real e atual, que inicia a introversão e o segundo pela atração dos complexos inconscientes, ou melhor dito, dos elementos inconscientes desse complexo - os conflitos infantis e fixações.

Assim o analista passa a desempenhar o papel de inimigo da regressão e da repressão que vão operar agora como resistência. Assim as forças que puseram em marcha o processo patológico apontam agora contra o analista enquanto agente de mudança que quer reverter o processo: " Se acompanharmos agora um complexo patogênico desde sua representação no consciente (seja ele óbvio, sob a forma de um sintoma, ou algo inteiramente indiscernível) até sua raiz no inconsciente, logo ingressaremos numa região em que a resistência se faz sentir tão claramente que a associação seguinte tem de levá-la em conta a aparecer como uma conciliação entre suas exigências e as do trabalho de investigação. É neste ponto, segundo prova nossa experiência, que a transferência entra em cena. Quando algo no material complexivo (no tema geral do complexo) serve para ser transferido para a figura do médico, essa transferência é realizada; ela produz a associação seguinte e se anuncia por sinais de resistências - por uma interrupção, por exemplo. Inferimos desta experiência que a idéia transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz a resistência. Um evento deste tipo se repete inúmeras vezes no decurso de um análise. Reiteradamente, quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a consciência e defendida com a maior obstinação." (p138).

Essa reflexão é por si só suficiente para relacionar transferencia e resistência. Porem Freud não se dá por contente e propõe outra dúvida: " Como é possível que a transferência sirva tão admiravelmente de meio de resistência? Poder-se-ia pensar que a resposta possa ser fornecida sem dificuldade, pois é claro que se torna particularmente difícil de admitir qualquer impulso proscrito de desejo, se ele tem de ser revelado diante desse tipo dá origem a situações que, no mundo real, mal parecem possíveis. Mas é precisamente a isso que o paciente visa, quando faz o objeto de seus impulsos emocionais coincidir com o médico. Uma nova consideração, no entanto, mostra que essa vitória aparente não pode fornecer a solução do problema. Na verdade, uma relação de dependência afetuosa e dedicada pode, pelo contrário, ajudar uma pessoa a superar todas as dificuldades de fazer uma confissão."(p139). Por que a resistência utiliza a transferência como seu melhor instrumento? Ele argumenta que o tratamento analítico, tem que vencer a introversão da libido motivada pela pela frustração da satisfação, por um lado (externo) , e pela atração dos complexos inconscientes, por outro lado (internos), assim cada ato do analisando conta com esse fator de resistência e representa um compromisso entre as forças que tendem a saúde e as que a ela se opõem.

Nesse ponto Freud faz uma distinção entre transferência positiva e transferência negativa:" Percebemos afinal que não podemos compreender o emprego da transferência como resistência enquanto pensarmos simplesmente em 'transferência'. Temos de nos resolver a distinguir uma transferência 'positiva' de uma 'negativa', a transferência de sentimentos afetuosos da dos hostis e tratar separadamente os dois tipos de transferência para o médico. A transferência positiva é ainda divisível em transferência de sentimentos amistosos ou afetuosos, que são admissíveis à consciência, e transferência de prolongamentos desses sentimentos no inconsciente. Com referência aos últimos, a análise demonstra que invariavelmente remontam a fontes eróticas. E somos assim levados à descoberta de que todas as relações emocionais de simpatia, amizade, confiança e similares, das quais podemos tirar bom proveito em nossas vidas, acham-se geneticamente vinculadas à sexualidade e se desenvolveram a partir de desejos puramente sexuais, através da suavização de seu objetivo sexual, por mais puros e não sensuais que possam parecer à nossa autopercepção consciente. Originalmente, conhecemos apenas objetos sexuais, e a psicanálise demonstra-nos que pessoas que em nossa vida real são simplesmente admiradas ou respeitadas podem ainda ser objetos sexuais para nosso inconsciente." (p 140)

Antes de entrarmos no enigma da transferencia positiva, podemos argüir que a transferência serve a resistência em dois sentidos: primeiro porque a transferência é a distorção mais afetiva e depois porque conduz a resistência mais forte, e nesse sentido se apresenta como apenas uma tática para que o paciente usa para resistir. Quanto a divisão em transferência positiva e negativa, e a primeira em erótica e sublimada, Freud a faz para justificar que somente a transferencia negativa e a positiva de impulsos neuróticos atuam como resistência: " Assim, a solução do enigma é que a transferência para o médico é apropriada para a resistência ao tratamento apenas na medida em que se tratar de transferência negativa ou de transferência positiva de impulsos eróticos reprimidos. Se "removermos' a transferência por torná-la consciente, estamos desligando apenas, da pessoa do médico, aqueles dois componentes do ato emocional; o outro componente, admissível à consciência e irrepreensível, persiste, constituindo o veículo de sucesso na psicanálise, exatamente como o é em outros métodos de tratamento. Até este ponto admitimos prontamente que os resultados da psicanálise baseiam-se na sugestão; por esta, contudo, devemos entender, como o faz Ferenczi (1909), a influenciação de uma pessoa por meio dos fenômenos transferenciais possíveis em seu caso. Cuidamos da independência final do paciente pelo emprego da sugestão, a fim de fazê-lo realizar um trabalho psíquico que resulta necessariamente numa melhora constante de sua situação psíquica.

Pode-se levantar ainda a questão de saber por que os fenômenos de resistência da transferência só aparecem na psicanálise e não em formas indiferentes de tratamento (em instituições, por exemplo). A resposta é que eles também se apresentam nestas outras situações, mas têm de ser identificados como tal. A manifestação de uma transferência negativa é, na realidade, acontecimento muito comum nas instituições. Assim que um paciente cai sob o domínio da transferência negativa, ele deixa a instituição em estado inalterado ou agravado. A transferência erótica não possui efeito tão inibidor nas instituições, visto que nestas, tal como acontece na vida comum, ela é encoberta ao invés de revelada. Mas se manifesta muito claramente como resistência ao restabelecimento, não, é verdade, por levar o paciente a sair da instituição - pelo contrário, retém-no aí - mas por mantê-lo a certa distância da vida. Pois, do ponto de vista do restabelecimento, é completamente indiferente que o paciente supere essa ou aquela ansiedade ou inibição na instituição; o que importa é que ele fique livre dela também na vida real."(p140).

Assim, apesar da ambigüidade a que se remete o texto, temos que a transferência opera como todos os sintomas expressa os termos do conflito, seja ela positiva ou negativa o processo psicanalítico se desenvolve de acordo com sua própria dinâmica.

RETOMADA DO PROBLEMA; UM PONTO DO PENSAMENTO DE FREUD A SER CONSIDERADO:

A partir desse ponto podemos passar a análise de um ponto que se apresenta bastante intrincado na teoria da Transferência; " A análise tem de lutar contra as resistências oriundas de ambas essas fontes. A resistência acompanha o tratamento passo a passo. Cada associação isolada, cada ato da pessoa em tratamento tem de levar em conta a resistência e representa uma conciliação entre as forças que estão lutando no sentido do restabelecimento e as que se lhe opõem, já descritas por mim.

Se acompanharmos agora um complexo patogênico desde sua representação no consciente (seja ele óbvio, sob a forma de um sintoma, ou algo inteiramente indiscernível) até sua raiz no inconsciente, logo ingressaremos numa região em que a resistência se faz sentir tão claramente que a associação seguinte tem de levá-la em conta a aparecer como uma conciliação entre suas exigências e as do trabalho de investigação. É neste ponto, segundo prova nossa experiência, que a transferência entra em cena. Quando algo no material complexivo (no tema geral do complexo) serve para ser transferido para a figura do médico, essa transferência é realizada; ela produz a associação seguinte e se anuncia por sinais de resistências — por uma interrupção, por exemplo. Inferimos desta experiência que a idéia transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz a resistência. Um evento deste tipo se repete inúmeras vezes no decurso de um análise. Reiteradamente, quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a consciência e defendida com a maior obstinação." (pag ). Se acompanharmos detalhadamente esse raciocínio podemos identificar uma certa ambigüidade. Se a porção do complexo capaz de transferência se mobiliza porque satisfaz a resistência, não poderia ser ao mesmo tempo o que desperta a resistência mais forte . Podemos identificar no mesmo raciocino a afirmação de que a resistência é causadora da transferência e o seu contrário, que a idéia transferida chega à consciência para mobilizar a resistência. Como se Freud pretendesse que o impulso se transforma em transferência para assim ser resistido ulteriormente.

 
 

É certo que no decorrer de suas elaborações Freud se fez valer de tal ambigüidade do conceito hora colocando-o a serviço do desenvolvimento terapêutico, hora colocando-o como alerta ao analista sobre os riscos que a transferencia pode oferecer quando se apresenta como resistência... como na passagem que se segue: " No decurso do tratamento, ainda é estimulado outro fator útil, que é o interesse e a compreensão intelectuais do paciente. Mas ele, sozinho, mal entra em consideração, comparado às outras forças que se acham empenhadas na luta, pois está sempre em perigo de perder seu valor, em resultado da perturbação de juízo que se origina das resistências. Assim, as novas fontes de força pelas quais o paciente é grato ao analista reduzem-se à transferência e à instrução (através das comunicações que lhe são feitas). O paciente, contudo, só faz uso da instrução na medida em que é induzido a fazê-lo pela transferência; é por esta razão que nossa primeira comunicação deve ser retida até que uma forte transferência se tenha estabelecido. E isto, podemos acrescentar, vale para todas as comunicações subseqüentes. Em cada caso, temos de esperar até que a perturbação da transferência pelo aparecimento sucessivo de resistências transferenciais tenha sido removida."(Vol XII pag.187).

 
 

CONCLUSÃO:

Em nenhum momento foi nossa pretensão solucionar a problemática do conceito de transferência em Freud. Portanto o percurso a que nos propomos cumpriu o seu fim identificar tal problemática. É certo que o assunto está longe de ser esgotado, mesmo porque sempre foi objeto de interesse dos seguidores da psicanálise nas suas mais variadas vertentes teóricas.

Aqui a análise do conceito mostrou-nos que a sua ambigüidade, se presta num primeiro momento ser necessária ao processo analítico , e posteriormente que se o terapeuta não se municiar de habilidades incorrerá no risco de ser vitimado pela dinâmica transferencial que se apresenta como forte resistência. O estabelecimento do rapport terapêutico tem como pré requisito o aparecimento da transferência e nesse sentido é condição da relação analítica, no entanto quando a figura do analista se apresenta como ameaça aos conteúdos inconscientes a transferência deverá, ser imbuída de forte resistência.

A problemática, não inutiliza a utilidade da situação tanto que o conceito continua a ser um dos pelares da teoria pscanalítica.

BIBLIOGRAFIA:

 
 

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CUNHA, J. A . (Tradução e organização) (1978) Dicionário de termos de Psicanálise de

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