domingo, 20 de março de 2011

O MUNDO ATUAL O GOVERNANTE FILÓSOFO

PAULO ROBERTO MERMEJO

Atualmente, vivenciamos uma avalanche de situações, que põem em cheque a convivência harmoniosa entre os seres humanos. Só para tomarmos como exemplo, peguemos as notícias que envolvem gestores públicos em atos e situações ilícitas, não que seja esta, a única barbárie que afronta a boa convivência humana, mas por ser a que mais recebe destaque dos meios de comunicação de massa, já que está sempre relacionado ao dinheiro arrecadado em impostos e que deveriam estar a serviço do bem comum, e não de benesses particulares. A corrupção no Brasil é uma instituição. Difícil encontrar um gestor público que possa apresentar uma “ficha limpa” de fato e como estes gestores, estão sempre em evidência passam a funcionar como modelos de conduta para as demais pessoas da sociedade. Então se faz necessária a reflexão sobre o papel da filosofia na formação e ação de futuros gestores, ou administradores públicos.

A história da filosofia pontua diversos postulados e doutrinas para a ação de um gestor público, ou mesmo de pessoas comuns, para que a convivência entre pessoas se realize com o mínimo de conflito. Recuperando o pensamento de Sócrates e Platão, na obra de Platão, já que Sócrates não deixou nenhum registro de sua obra, partindo da concepção que cada um tem da filosofia, poderemos fazer lume, a uma postura ideal para o gestor público atual. Reza a douta filosófica, que os primeiros diálogos de Platão, tinham como objetivo descrever o pensamento de seu mestre Sócrates, enquanto os textos da maturidade já apresentavam um pensamento original. O Sócrates de Platão estava na ágora, dialogando com o cidadão de Atenas, Buscando e sempre buscando a verdade, então a filosofia do mestre era busca da verdade, como amor (Eros), pelo conhecimento. O Platão, em pensamento próprio, o filosofar, não está restrito a busca do conhecimento, mas a efetivação deste conhecimento como saber objetivo possível de ser encontrado (como quem sai da escuridão da caverna e reconhece no sol a verdade).

No diálogo “O Banque”, Platão apresenta o diálogo entre Sócrates e Diotima, sobre o amor, e este amor como representação do filosofar. O amor Eros filho de Poros e Penúria, razão entre pobreza e riqueza, autossuficiência e necessidade, mortal e imortal, belo e feio que vive e morre a cada instante, uma busca plena e perpétua por algo, aqui representante do saber, da sabedoria. Assim a filosofia de Sócrates é filosofar, buscar descomprometidamente o conhecimento, a sabedoria. Implica em estar atento a novas possibilidades, e jamais fechar o campo de percepção na pretensão da sabedoria. O filósofo de Sócrates ama o conhecimento e jamais estabelece relação de posse, já que não saber seria a condição da busca, pois quem já sabe nada mais tem a procurar. Então como Eros, o filósofo especula, interroga, questiona, e neste caminho constrói a nova informação, que a qualquer momento poderá novamente ser questionada e interrogada. O governante filósofo de Sócrates seria então um orientador racional da busca. Do amor Eros, que nunca se contenta com verdades acabadas e predeterminadas. O governante filósofo de Sócrates, esta atento ao movimento das verdades, e delas tira proveitos dialéticos para o autoconhecimento, para o reconhecimento de suas relações com os outros e dos outros com o mundo.

Enquanto em “O Banquete”, Platão vende as idéias de seu mestre, já na maioridade intelectual, principalmente no texto “A Republica”, busca definições mais originais para os problemas com os quais convivia em Atenas. La o discípulo, posiciona a filosofia, não mais como busca – amor- a verdade, mas como conquista da verdade. Na alegoria da caverna, propõem uma representação do filosofo, como aquele que se desprende das amarras da caverna e conquista a luz, o conhecimento. Neste sentido apresenta o filósofo como aquele que é capaz de escalar a encosta íngreme da busca do conhecimento e chegar à verdadeira origem de todas as idéias, consegue contemplar a luz do sol, aquela que ilumina as coisas do mundo em sua objetividade. Consegue escapar a doxa – opinião – que aprisiona os homens as sombras do conhecimento. O filósofo de Platão, não apenas busca a verdade, mas é capaz de alcançá-la, tanto em teoria quanto em prática. E esta verdade, representada pelo poder iluminador do sol, seria universal, neutra e desprendida de interesses pessoais.

O pensamento aristocrático de Platão coloca a possibilidade de reconhecimento da verdade, não a todos, mas apenas a aqueles que apresentam uma determinada predisposição. Em outra passagem deste mesmo texto (A República), narra a alegoria do “Er”. Tendo os homens morridos, por um tempo, coabitam o mundo das idéias, no caminho da volta, passam pelo rio “Er”, cujas águas encantadas, seriam responsáveis pelo esquecimento das vidas anteriores na terra, aqueles que muito bebiam de suas águas mais se esqueciam de suas vidas anteriores, aquele que pouco bebia de suas águas, mais retinham informações de outras passagens para terra, ao retornarem, restava-lhes apenas o exercício da lembrança destas informações, e assim argumentava que os filósofos eram aqueles que menos bebiam, e daí pertencerem a uma casta de sábios, que segundo sua natureza, os habilitava ao governo das cidades. Diferente de seu mestre Sócrates, o discípulo aqui apresenta a filosofia como exercício e construção das lembranças que estariam ali, de forma latente, mas apenas aos poucos que a mereciam – aqueles que filosofavam.

O Filósofo platônico é o homem de ouro, cuja natureza habilitou a escapar das trevas da caverna, nem todos os homens são de ouro, nem todos os homens estão prontos a vislumbrar a luz do sol, a reconhecer nele a luz da verdade. Na caverna, anda coabitam homens de prata ou de bronze, e que segundo sua natureza, serão felizes sem a verdade. Então cabendo ao filosofo a função de ordená-los, encaminhá-los à suas descobertas, a verdade objetiva que reside fora de cada um, diferente da opinião.

Platão propõe o governo de todos, pelo filósofo. O governante filósofo, aquele que consegue vislumbrar a luz e a verdade. Somente o filósofo, poderia minimizar as injustiças e as diferenças, apresentando aquela verdade objetiva e diversa da opinião que gera discórdia e disputa.

O administrador Público, que Platão nos apresenta é um administrador pronto, acabano. Um administrador que por sua natureza peculiar, chegou à verdade e está pronto a organizar a dúvida alheia. Os outros, aqueles que não dispõem desta natureza, se submetem e acreditam na verdade professada pelo Administrador filosofo. Uma submissão sem diálogo, já que a natureza não os capacitou a entender as descobertas do filosofo. Um administrador Público assim poderia incorrer nos desmandos do poder. Tomando a sua descoberta como verdade única, imutável, poderia estabelecer uma relação tirânica com professa Hannah Arent.

Tomando o Administrador filósofo de Sócrates, e também o de seu discípulo Platão, poderíamos pensar em uma síntese. O Administrador filósofo que não se contenta com a verde pronta e acabada, mas que ao mesmo tempo, pode se valer do caminho para construir alternativas a posicionamentos complexos, como um orientador que por ter percorrido um caminho, funcione como farol daqueles que ainda não o trilharam.

É certo que no mundo em que vivemos, hoje, nem mesmo as verdades técnicas propostas pela ciência, são hermenêuticas, então ficaria difícil pensar o Administrador filósofo como sendo este proposto por Platão. Não se pode garantir que o “saber mais”, necessariamente significaria ser o melhor administrador. O conhecimento objetivo do especialista, não garante o bem comum. Devemos pensar que entre o pensamento objetivo e a ação objetiva do melhor governo, esta a vontade subjetiva do governante, e esta vontade, deveria ser orientada ao bem comum. Se por um lado “saber mais” não seria garantia do melhor governo, por outro podemos pensar que um governo calcado no amor ao conhecimento poderia minimizar as diferenças. O administrador público formado para este fim, e com uma postura ética voltada para o bem comum, poderia ser de grande valia para uma sociedade que se pretende democrática. Pensar o governante filósofo de Platão, pode não significar pensar o cientista e o técnico, mas pensar o filósofo multifacetado da história da filosofia, aquele que busca o conhecimento e mesmo não tendo a pretensão de defini-lo como verdade acabada, garante na sua busca subsídios para um melhor conviver socialmente.

A exemplo das novas formas de gestão, o administrador não necessita de uma hierarquia rígida par impor sua verdades, pode de forma colaborativa e democrática, iluminar com dúvidas as novas propostas de convivência e ação para um mundo melhor. Um administrador filósofo, orientado para o bem comum, pode aferir, vantagens competitivas possibilitando que outros homens – de prata ou de bronze- venham a se tornar homens de ouro que na colaboração mutua efetivem ações menos bárbaras, como aquelas descritas na introdução deste texto.

Podemos pensar sim no administrador filósofo de Sócrates, que busca com amor a sabedoria. Podemos pensar sim no administrador filósofo de Platão, mas não como o único detentor do saber, mas como aquele que por ter conseguido chegar à luz, possa compartilhar de forma crítica e reflexiva dessa luz com os demais seres humanos, para uma convivência mais igualitária e sem o peso instituído da barbárie dos temos “pós-modernos”.

Ao Dom Quixote de La Sertana

Paulo R. Mermejo

Ao longo do lento caminho na tentativa de compreensão das ditas “reformas do estado”, percebo que a cada parágrafo clarifico um pouco mais um assunto que a muito gostaria de ter o domínio. Compreender a origem da construção do imaginário da inoperância dos serviços públicos básicos sempre foi, a mim, angustiante. Passar por cada fase de ação dos modelos de reforma da administração pública, desde a chegada da família real ao Brasil até as mais modernas propostas, tem se revelado um esforço bastante prazeroso e esclarecedor. É certo que não se muda estruturas cristalizadas do dia para a noite, mas percebo que a cultura patrimonialista impregna as entranhas da gestão dos negócios públicos até nossos dias. Cada iniciativa que se propõe a reformas do aparelho do estado passa pela resistência característica daqueles que usam de todos os meios para manterem seus privilégios e status. Penso que a cultura de avaliação que hoje se instala, tem por princípio minimizar os efeitos dessa resistência. A planificação da ação administrativa com base diagnóstica tira do ideário das elites, que sempre estiveram ligadas ao poder público, a base de seus argumentos, já cristalizados e imutáveis. Mas mesmo assim é possível ainda identificar estratégias de manutenção desse modelo mais primitivo, a exemplo das propostas para a reforma da lei eleitoral que tramita no legislativo (eleição por lista fechada). Quando olhamos com certo distanciamento para toda a estrutura do estado, podemos perceber nuances dos três modelos de gestão da coisa pública. A “inteligentícia” Política Nacional tendo como referência modelos de controle avaliativo, prioriza instauração de um modelo gerencial visando à objetivação da eficiência e da eficácia dos serviços públicos. Percebe-se que quando as ações se distanciam do centro do poder, os mecanismos usados para o controle, se configuram pelos modelos Weberianos com sua teoria burocrática. E na ponta operacional, percebe-se o uso dos modelos patrimoniais, já que a troca de favores e a prática do compadrio se evidenciam. Penso que o Brasil, com toda sua diversidade étnico-cultural, tenta lentamente, estabelecer um plano de reforma efetivo, mas ainda depende de Políticos esclarecidos e imbuídos de vontade com foco no cidadão. Infelizmente não é esse o perfil de candidato que chama a atenção dos eleitores brasileiros, vide a constituição da câmara de deputados eleitos no último pleito.

O que mais me aflige é não poder visualizar posturas políticas contemporâneas que pensem sobre esse viés tão necessário a constituição de uma sociedade que se pretende forte e com identidade própria. Houve um tempo em que se pensava na democracia como possibilidade de esclarecimento e empoderamento do cidadão, mas o que se conseguiu, até o momento foi um profundo empobrecimento de sua vocação política (Aristóteles revira em sua tumba). Houve um tempo em que se pensou na educação como veiculo contraideológico e instrumento na capacidade de autoaprendizagem que devolveria a dignidade desse povo multiétnico transplantado para as “terras brazilis”. Mas o que se vê até agora é um esvaziamento da função e do significado da escola. Quero crer que, como apontam os especialistas, a democracia no Brasil, apenas engatinhe e que esse “rizoma” (o de Gilles Deleuze) na identidade, venha a se constituir na força e vitalidade que necessitam as idéias para impulsionar ações e que dentre nós, que não nos furtamos em pensar no bem comum, desponte ícones que contarão as histórias de sucesso amanhã. Semana passada a morte calou a voz de uma dessas pessoas, que Deus ou qualquer energia cósmica que se compatibilize o tenha.

“IDEOLOGIA! EU QUERO UMA PRA VIVER”

PAULO R MERMEJO
Nesses últimos tempos tenho aqui conjecturado, eu comigo mesmo, sobre a constância no discurso corrente dessa tal necessidade de formação continuada, paralela ou em exercício, dos servidores públicos na busca eficiência e eficácia. E esse discurso se dirige, exatamente, a aquela parcela de servidores que em seu texto aparece como a mão de obra não qualificada e com salários irrisórios. Semana passada, participei de um encontro como o atual secretário da educação do Estado de São Paulo, que sobre a égide da construção democrática de um novo plano de carreira, e da melhoria das condições de trabalho, objetiva um serviço público de excelência. Penso que em uma estrutura, bastante viciada, em decorrência de suas raízes históricas, qualquer iniciativa de reforma do estado que não contemple uma concepção sistêmica, possa se configurar como mero paliativo. Não tento, com esse raciocínio, minimizar a importância da qualificação do servidor que se encontra em contado direto com o público, mas argumento que se faz necessário uma ação mais abrangente em termos de políticas públicas que efetivem a reforma do estado. O grande problema é que iniciativas como essa depende de idéias e de pessoas que conjuguem tais princípios - artigo raro em nossos dias. Raro, já que para se tornar elegível, seres humanos e suas idéias têm que, necessariamente, se notabilizar, e convenhamos, esse tipo de ser humano e suas idéias, estão bem fora de moda na atualidade. Aqui tornar-se notável é mais fácil para um palhaço ou um jogador de futebol do que pessoas com princípios e inclinação para o bem comum.
Dai emana a outra questão. Como o controle social pode ser exercido em sua plenitude? Bem no senso comum, parece-me que o ideário político só se ativa, no Brasil, em época eleitoral. Então os brasileiros notáveis, são aqueles que ao longo dos quatro anos, que separam uma eleição de outra, estão facilmente disponíveis e em evidência, e nesse caso, pouco importa a qualidade de suas idéias e seus princípios políticos, já que há uma devastadora descontinuidade entre o que se é na vida privada e o que se pretende na vida pública. Acredito que são mazelas da democracia. Mas penso que a verdadeira reforma do estado, deve ser iniciada pelas bases, com políticas públicas verdadeiramente comprometidas com a formação da identidade nacional e isso se faz a longo e longuíssimo prazo. Se tais metas forem implementadas, aquelas medidas paliativas terão sentido no curto prazo, mas se não... Serão meramente paliativas e estaremos à mercê do aparecimento de messias e salvadores da pátria ou pelo menos novos Delfins Netos, Bresseres Pereiras e FHCs e, por Deus, que eles não tragam consigo a cartilha do neoliberalismo...