quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL.

Paulo Roberto Mermejo
Compreender políticas públicas a partir de um conceito único torna-se uma tarefa ingloria. Santos (2012) nos informa sobre a diversidade conceitual que este campo de estudos vem recebendo ao longo do tempo. Esta utora nos enumera algumas das principais contribuições: Para David Easton (1953, p. 129), as políticas públicas são “[...] a alocação autorizada de valores para toda a sociedade [...]”; Abraham Kaplan e Harold Laswell (1979) afirmam que políticas públicas são programas que projetam “objetivos, valores e práticas”; Carl Friedrichh (1963), similarmente, entende que o conceito de políticas públicas implica em “objetivos ou propósitos”; Thomas Dye (1992) afirma que tais políticas são “[...] o que quer que os governos escolhem fazer ou não fazer [...]”, uma vez que, para ele, a não atuação dos governos também tem grande impacto sobre as sociedades. Do ponto de vista de que políticas públicas como prerrogativa exclusiva do Estado tem-se que são consideradas políticas públicas, então, as medidas que atuam sobre o espaço público, gerando ou não bens públicos.
           Nesta perspectiva ao pensar políticas públicas, nos obrigamos a pensar o planejamento governamental. Neste sentido para compreender como se precessão ou como deveriam se processar às tomadas de decisões governamentais no tocante as políticas públicas é necessário, antes compreender como se operacionaliza o planejamento, para tal as orientações de Misoczky (2011) serão de grande valia.
           Para tentarmos estabelecer uma síntese das principais diferenças entre o Planejamento Normativo Tradicional e o Planejamento Estratégico Situacional, segundo este autor,  primeiramente devemos ter uma noção conceitual destas duas técnicas de planejamento. A primeira decorre de uma cultura de planejamento fundada na técnica e na teoria econômica que se impõem às outras considerações sociais e políticas. Assim nesta modalidade de planejamento, temos que um especialista técnico, a partir de um diagnostico distanciado dos envolvimentos sociais e políticos, tendo em mãos um diagnóstico - também distanciado ou fora da realidade planejada, estabelece objetivos para desvendar uma verdade científica em uma ordem na qual não existam outros sujeitos que planejem. Tendo em mãos leis e regras previsíveis redutíveis a comportamentos sociais, o planejador se vale de técnicas racionais para o planejamento. Nesta abordagem as ações estratégicas se remetem a agentes econômicos cujo comportamento pode ser predito com bases na realidade atual. Já na segunda técnica de planejamento, o Planejamento Estratégico Situacional (PES) pressupõe que o sujeito que planeja está inserido na realidade em que planeja, como parte do contexto onde outros atores também planejam. Assim, no lugar de um diagnóstico objetivo e único, temos explicações situacionais, ou seja, uma explicação consciente da situação a partir da qual se explica além do papel que esta explicação desempenha junto a outras explicações de outros atores sociais. Tendo que cada um explica a realidade a partir de sua própria situação o planejamento passa a ser um processo coletivo com múltiplas possibilidades dentro de um sistema criativo. Então o PES reconhece a concomitância ou concorrência de vários planos sendo que cada um deles interfere na ação do plano do outro. Ao contrario do primeiro, o PES reconhece que as pessoas envolvidas no problema não são meros agentes passivos sujeitos a comportamentos preestabelecidos.
           A partir das definições conceituais de ambas as técnicas de planejamentos temos que Enquanto o Planejamento Normativo Tradicional (PNT) temos um sujeito que planeja um objeto passivo esta separado deste objeto no Planejamento Estratégico Situacional (PES) o sujeito que planeja é parte do objeto planejado e se compromete com a ação. Enquanto no PNT o outro não é considerado a não ser como mero executor, no PES o outro participa em uma constante relação entre sujeitos. Enquanto no PNT leva em consideração um diagnóstico supostamente objetivo do passado, o PES trabalha com um conjunto de apostas a partir da explicação situacional dos atores sociais. Enquanto o PNT tem que a explicação é a descoberta das leis que regem o sistema o PES leva em conta que todas as explicações são situacionais e feitas a partir da visão particular de cada ator, e neste sentido a importância de que a explicação se construa a partir de múltiplos atores que compartilham objetivos. Enquanto para o PNT é possível predizer o futuro e fazer predições únicas para o PES só é possível fazer várias apostas em cenários dinâmicos. Enquanto o PNT é determinista o PES assume a incerteza e a imprevisibilidade. Enquanto o PNT faz apenas cálculos técnicos o PES faz cálculos técnicos e políticos. Enquanto o PNT organiza planos por setores o PES organiza planos por problemas a serem enfrentados e por fim, enquanto o PNT segue uma teoria de controle, o PES segue uma teoria de jogo social.
No Brasil o Planejamento governamental, segundo Rezende (2011), tem seu apogeu na década de 70 sob o comando dos governos militaras que tomaram o poder em 1964. Porem este sistema de planejamento foi beneficiado por diversas experiências anteriores. Na década de 30, o governo revolucionário liderado por Getúlio Vargas podem ser considerados um marco no processo de intervenção do Estado na economia com a finalidade de promover o seu desenvolvimento. Em 1934, com a criação do Conselho Federal de Comércio Exterior, pode-se identificar  o primeiro organismo governamental com funções típicas de um órgão de planejamento que tinha como atribuição principal formular políticas econômicas voltadas para a redução da dependência externa. Este conselho objetivou a aglutinação de um corpo técnico familiarizados com as técnicas de planejamento aplicadas durante a guerra, que poderiam contribuir para introduzir novo caráter às decisões governamentais.
Outro marco importante deste período foi a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) com a principal tarefa de elaborar o primeiro plano quinquenal da história do planejamento brasileiro – o Plano Especial de Obras Públicas e Reaparelhamento da Defesa Nacional (1939-1943).
Em 1943 o I Congresso Brasileiro de Economia, realizado no Rio de Janeiro, em, que reuniu comerciantes, banqueiros, industriais, agricultores, economistas, funcionários e professores e ganhou corpo durante os trabalhos da Comissão de Planejamento Econômico, em 1944 e 1945. Este evento foi o epicentro dos debates que contrapunham os defensores de uma política nacionalista apoiada no protecionismo e os adeptos de um Estado não intervencionista.
Com a retomada do poder por Getulio Vargas e a criação do Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico (conhecido como o Plano Lafer) o foco de suas atenções era direcionado para a melhoria da infraestrutura e o fortalecimento das indústrias de base com investimentos Fundo Nacional de Reaparelhamento Econômico entregue à administração do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), criado em 1952.
A intervenção do Estado na Economia é aprofundado com a ascensão de de Juscelino Kubitschek ao poder. O Plano de Metas por ele adotado diferencia-se das experiências anteriores já que a a motivação principal já não é o combate à dependência externa e a defesa da intervenção não se apoia no nacionalismo, más sim a importância do capital estrangeiro para o financiamento da industrialização brasileira.
Com renúncia de Jânio Quadros e à tumultuada ascensão de João Goulart ao poder e sem uma clara diretriz de política econômica pouco contribuiu para aperfeiçoamento do planejamento governamental.
Com a tomada do poder pelos militares, inaugura-se o que pode ser convencionado como o apogeu do planejamento governamental. Com o Plano de Ação e Bases do Governo (Paeg) implementado pelo governo de Castelo Branco buscava-se corrigir as distorções acumuladas no período anterior para conter a aceleração do processo inflacionário, promovendo a estabilização monetária sem comprometer o crescimento econômico. O que se buscava se apoiava em um conjunto de reformas com o objetivo de modernizar o Estado com especial atenção à recuperação da capacidade de o setor público mobilizar recursos para financiar o desenvolvimento.
O governo militar, mobiliza assim, de forma significativa uma ampla promoção de recursos técnicos para a elaboração de um plano de longo prazo para o desenvolvimento nacional. O Plano Decenal - 1967-1976, pode ser caracterizado como a primeira experiência concreta de desenvolver uma visão estratégica dos interesses e das prioridades nacionais e expor as medidas necessárias para fazer que elas fossem respeitadas.
Mesmo abandonado pelo governo Costa e Silva a experiência de elaboração do Plano Decenal deu mais um passo adiante na consolidação de uma burocracia pública composta por profissionais altamente qualificados e comprometidos com a causa do planejamento.
No documento Metas e Bases para a Ação do Governo (1970-1972). A junta militar que sucede Costa e Silva concentração do poder nas mãos de um Executivo dotado de uma tecnoburocracia competente contribuiu para que a intervenção do Estado, apoiada na continuidade de um processo de planejamento, alcançasse praticamente todos os setores da economia.
O I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), 1972-1974, mantém em linhas gerais os caminhos estabelecidos na década anterior reforça o papel da burocracia envolvida nas atividades de planejamento. O PND iniciou uma série de planos de governo feitos em obediência ao estabelecido no Ato Complementar no 43/1969, que obrigava a elaboração de Planos Nacionais de Desenvolvimento de duração igual ao mandato do Presidente da República.
Em 1972 é criado Sistema Federal de Planejamento (Decreto no 71.353),dá um caráter formal a um processo de planejamento.
Durante o Governo Geisel o órgão de planejamento tinha papel central como Secretaria Geral do Conselho de Desenvolvimento e era vinculada à Presidência da República,reforçando  sua posição como instituição encarregada de coordenar o processo de planejamento e acompanhar sua implementação.
Neste sentido pode-se afirmar que período abarcado pelo II PND (1975-1979) pode ser visto como aquele em que o planejamento governamental atingiu o auge de sua influência na formulação e na implementação das políticas de desenvolvimento econômico e social.
Neste sistema a hierarquia era bem definida, concentrando as decisões estratégicas no Presidente da República, que era assistido por dois colegiados: o Conselho de Desenvolvimento Econômico e o Conselho de Desenvolvimento Social, cabendo à Secretaria de Planejamento coordenar as ações a cargo dos órgãos setoriais, bem como a dos órgãos seccionais (toda a administração indireta federal).
A década de 80 registra grandes golpes para o sistema de planejamento. A segunda crise do petróleo e o esgotamento da capacidade do Estado de manter o ritmo de investimentos, além do clima gerado pela transição a democracia, fez com que o III PND (1980-1985) cumprisse apenas a formalidade exigida pelo dispositivo legal.
Em 1985, com a Nova República, o processo de esvaziamento do planejamento como lugar central das decisões de política econômica e de coordenação das ações empreendidas pelo governo. Este período marca o desmonte toda uma estrutura técnica que se encarregava de dar suporte ao funcionamento do sistema de planejamento. A Constituição Federal de 1988 abalou os alicerces do sistema e contribuiu para o que veio a ocorrer na década seguinte.
Também na segunda metade da década de 80 marca a busca por reflexão sobre a crise por que passava o planejamento governamental. Por ocasião da comemoração dos 25 anos do IPEA em 1989 é lançado uma agenda para a recuperação do planejamento para os anos 90. Tal agenda além de buscar a recuperação do planejamento diante do novo cenário democrático e de uma sociedade plural, buscava a interlocução com a sociedade nas definições das prioridades nacionais.
O Plano de Metas 1986-1989, elaborado na gestão do presidente Sarney, renovava o intento de repetir o ritmo de crescimento alcançado na década de 1970. No entanto, o efêmero sucesso do Plano Cruzado não permitiu que as expectativas dos formuladores desse plano fossem confirmadas, contribuindo para que, na prática, ele fosse abandonado, enquanto o agravamento da crise econômica e política nos derradeiros anos da década de 1980 atropelou o debate sobre a reconstrução do planejamento.
No final do governo Sarney a insatisfação da sociedade com os governantes crescia, à medida que a economia se desorganizava e a inflação corroía os salários da classe média e jogava uma quantidade crescente de brasileiros para baixo da linha de pobreza. Denuncias de corrupção faziam com que os marajás da República, encastelados no planalto central, passavam a ser alvo de repulsa e indignação.
É nesta onda de instabilidade que surge, Fernando Collor de Mello. Amparado pelos resultados nas urnas e com a promessa de estancar os desmandos político do país tem inicio um amplo programa de redução, ou extinção, de medidas protecionistas, amparadas na onda liberalizante que tomou conta das economias ocidentais e que tinha como propósito sacudir os empresários brasileiros e estimulá-los a melhorar a qualidade dos produtos oferecidos ao consumidor nacional.
Com amparo da Constituição Federal de 1988 este período marcou ainda a devolução da autonomia política a estados e municípios, reforçada pela descentralização do poder tributário e a ampliação das transferências de recursos federais. Neste sentido o que se efetivou foi algumas as iniciativas isoladas de estados e municípios no campo do planejamento e da formulação de políticas setoriais abandonavam uma visão integrada e, ao focalizar o interesse local, fomentavam a competição e o antagonismo na Federação.
Completando este desmonte da capacidade do Estado para promover e conduzir o processo de desenvolvimento a adoção do Programa Nacional de Desestatização (PND), que tinha por objetivo transferir à iniciativa privada atividades controladas pelo Estado que exerceram papel central nas experiências de planejamento dos anos 1970.
Com menos de dois anos a reestruturação propostas por Collor de Melo, consegui destruir a já fragilizada estrutura de planejamento.
Com o impeachment de Collor de Mello e a ascensão ao pode do Vice-presidente Itamar Franco com inclinações nacionalistas e uma maior disposição para aceitar a tese da importância da presença do Estado em um projeto de desenvolvimento é recriada a Secretaria do Planejamento e Coordenação da Presidência da República,. Mas em pouco tempo, a tentativa de recompor o espaço do planejamento no centro das decisões governamentais foi abandonada, e o governo rendeu-se à realidade de ter de negociar com o Congresso a composição da equipe ministerial para construir uma base de apoio político que lhe desse condições de governar.
Com o Governo de Fernando Henrique Cardoso, ressurgem as esperanças de que o planejamento viesse a se situar em lugar de destaque na administração pública. O sucesso do plano de estabilização monetária e a abertura para que profissionais qualificados para administrar a pasta de planejamento que naquele momento assumia o status de ministério – Ministério do Planejamento e do Orçamento, abria-se a possibilidade para a retomada estratégica para a retomada do desenvolvimento, assim como para a definição do papel do Estado quanto a sua implementação.
Com o objetivo de dar modernidade e eficiência ao Estado, a busca de ajustes frente aos desequilíbrio espaciais e sociais, além da inserção competitiva e modernização produtiva o Plano Plurianual para o período 1996-1999 se apoiava em estudos e projeções macroeconômicas mas, mais uma vez estava associado ao sucesso do plano de estabilidade monetária. O Plano Real mostra seus resultados positivos mas os eventos que o sucederam deram pistas que apenas o plano de estabilidade não seria suficiente para a retomada e recuperação do planejamento.
Assim, mais uma vez, as reformas estruturais passam a fazer parte das prioridades do governo. As privatizações ganham forte impulsos estendendo-se aos monopólios do Estado nos setores de energia elétrica e telecomunicações e à venda da Companhia Vale do Rio Doce, e das ações da Petrobras que excedessem o mínimo necessário para manter o controle acionário da empresa.
o PPA 2000 - 2003, que assumia marca de fantasia de Avança Brasil, destacava entre seus objetivos a necessidade de racionalizar e melhorar a qualidade do gasto público, tendo em conta um cenário de restrições ao seu financiamento, mediante a implantação de um sistema de gestão pública orientada para resultados que contribuísse para aumentar a eficiência e a eficácia na aplicação de recursos e a legitimidade das ações do governo perante a sociedade civil.
O presidencialismo de coalizão, com controle sobre a execução orçamentária passou a ser não apenas um instrumento de sustentação da disciplina fiscal, mas também um instrumento útil para a negociação de apoio à aprovação pelo Congresso de medidas de interesse do governo, mediante o controle sobre a liberação de emendas parlamentares ao orçamento.
Eleito, Lula, após duas derrotas consecutivas, o ritual de dar atenção a questões de estabilidade econômica se repetem e mesmo tendo em sua gestão a possibilidade de editar dois planos plurianuais que tinham como pano de fundo do desenvolvimento o compromisso com questões sociais, continuaram a carecer de condições concretas para serem efetivamente implementados.
Apesar de manter a lógica de planejamento com já vinha acontecendo em governos anteriores, vale lembrar a preocupação em retomar a capacidade de planejamento setorial, com destaque para o setor de energia, em que a criação de uma empresa pública voltada para o planejamento do setor elétrico passa a preencher um vazio gerado pela privatização do setor e soma-se à capacidade de a Petrobras elaborar planos estratégicos para o desenvolvimento das atividades relacionadas à extração do petróleo e à promoção de fontes alternativas de energia.

BIBLIOGRAFIA:

Misoczky, Maria Ceci Araujo. Planejamento e programação na administração pública. Florianópolis. Departamento de Ciências da Administração. UFSC; [Brasília] : CAPES : UAB, 2011.

Rezende, Fernando. Planejamento no Brasil: auge, declínio e caminhos para a reconstrução A reinvenção.  In A reinvenção do planejamento governamental no Brasil / organizador: José Celso Cardoso Jr. – Brasília : Ipea, 2011. v.4 (517 p.)
SANTOS, Maria Paula Gomes dos, Políticas públicas e sociedade , 2. ed. Reimp. Florianópolis : Departamento de Ciências da Administração / UFSC, 2012.