Paulo Roberto Mermejo
Compreender políticas públicas a partir de um conceito único torna-se
uma tarefa ingloria. Santos (2012) nos informa sobre a diversidade
conceitual que este campo de estudos vem recebendo ao longo do tempo.
Esta utora nos enumera algumas das principais contribuições: Para David
Easton (1953, p. 129), as políticas públicas são “[...] a alocação
autorizada de valores para toda a sociedade [...]”; Abraham Kaplan e
Harold Laswell (1979) afirmam que políticas públicas são programas que
projetam “objetivos, valores e práticas”; Carl Friedrichh (1963),
similarmente, entende que o conceito de políticas públicas implica em
“objetivos ou propósitos”; Thomas Dye (1992) afirma que tais políticas
são “[...] o que quer que os governos escolhem fazer ou não fazer
[...]”, uma vez que, para ele, a não atuação dos governos também tem
grande impacto sobre as sociedades. Do ponto de vista de que políticas
públicas como prerrogativa exclusiva do Estado tem-se que são
consideradas políticas públicas, então, as medidas que atuam sobre o
espaço público, gerando ou não bens públicos.
Nesta perspectiva ao pensar políticas públicas, nos
obrigamos a pensar o planejamento governamental. Neste sentido para
compreender como se precessão ou como deveriam se processar às tomadas
de decisões governamentais no tocante as políticas públicas é
necessário, antes compreender como se operacionaliza o planejamento,
para tal as orientações de Misoczky (2011) serão de grande valia.
Para tentarmos estabelecer uma síntese das principais
diferenças entre o Planejamento Normativo Tradicional e o Planejamento
Estratégico Situacional, segundo este autor, primeiramente devemos ter
uma noção conceitual destas duas técnicas de planejamento. A primeira
decorre de uma cultura de planejamento fundada na técnica e na teoria
econômica que se impõem às outras considerações sociais e políticas.
Assim nesta modalidade de planejamento, temos que um especialista
técnico, a partir de um diagnostico distanciado dos envolvimentos
sociais e políticos, tendo em mãos um diagnóstico - também distanciado
ou fora da realidade planejada, estabelece objetivos para desvendar uma
verdade científica em uma ordem na qual não existam outros sujeitos que
planejem. Tendo em mãos leis e regras previsíveis redutíveis a
comportamentos sociais, o planejador se vale de técnicas racionais para o
planejamento. Nesta abordagem as ações estratégicas se remetem a
agentes econômicos cujo comportamento pode ser predito com bases na
realidade atual. Já na segunda técnica de planejamento, o Planejamento
Estratégico Situacional (PES) pressupõe que o sujeito que planeja está
inserido na realidade em que planeja, como parte do contexto onde outros
atores também planejam. Assim, no lugar de um diagnóstico objetivo e
único, temos explicações situacionais, ou seja, uma explicação
consciente da situação a partir da qual se explica além do papel que
esta explicação desempenha junto a outras explicações de outros atores
sociais. Tendo que cada um explica a realidade a partir de sua própria
situação o planejamento passa a ser um processo coletivo com múltiplas
possibilidades dentro de um sistema criativo. Então o PES reconhece a
concomitância ou concorrência de vários planos sendo que cada um deles
interfere na ação do plano do outro. Ao contrario do primeiro, o PES
reconhece que as pessoas envolvidas no problema não são meros agentes
passivos sujeitos a comportamentos preestabelecidos.
A partir das definições conceituais de ambas as técnicas
de planejamentos temos que Enquanto o Planejamento Normativo Tradicional
(PNT) temos um sujeito que planeja um objeto passivo esta separado
deste objeto no Planejamento Estratégico Situacional (PES) o sujeito que
planeja é parte do objeto planejado e se compromete com a ação.
Enquanto no PNT o outro não é considerado a não ser como mero executor,
no PES o outro participa em uma constante relação entre sujeitos.
Enquanto no PNT leva em consideração um diagnóstico supostamente
objetivo do passado, o PES trabalha com um conjunto de apostas a partir
da explicação situacional dos atores sociais. Enquanto o PNT tem que a
explicação é a descoberta das leis que regem o sistema o PES leva em
conta que todas as explicações são situacionais e feitas a partir da
visão particular de cada ator, e neste sentido a importância de que a
explicação se construa a partir de múltiplos atores que compartilham
objetivos. Enquanto para o PNT é possível predizer o futuro e fazer
predições únicas para o PES só é possível fazer várias apostas em
cenários dinâmicos. Enquanto o PNT é determinista o PES assume a
incerteza e a imprevisibilidade. Enquanto o PNT faz apenas cálculos
técnicos o PES faz cálculos técnicos e políticos. Enquanto o PNT
organiza planos por setores o PES organiza planos por problemas a serem
enfrentados e por fim, enquanto o PNT segue uma teoria de controle, o
PES segue uma teoria de jogo social.
No Brasil o Planejamento governamental, segundo Rezende (2011), tem
seu apogeu na década de 70 sob o comando dos governos militaras que
tomaram o poder em 1964. Porem este sistema de planejamento foi
beneficiado por diversas experiências anteriores. Na década de 30, o
governo revolucionário liderado por Getúlio Vargas podem ser
considerados um marco no processo de intervenção do Estado na economia
com a finalidade de promover o seu desenvolvimento. Em 1934, com a
criação do Conselho Federal de Comércio Exterior, pode-se identificar o
primeiro organismo governamental com funções típicas de um órgão de
planejamento que tinha como atribuição principal formular políticas
econômicas voltadas para a redução da dependência externa. Este conselho
objetivou a aglutinação de um corpo técnico familiarizados com as
técnicas de planejamento aplicadas durante a guerra, que poderiam
contribuir para introduzir novo caráter às decisões governamentais.
Outro marco importante deste período foi a criação do Departamento
Administrativo do Serviço Público (Dasp) com a principal tarefa de
elaborar o primeiro plano quinquenal da história do planejamento
brasileiro – o Plano Especial de Obras Públicas e Reaparelhamento da
Defesa Nacional (1939-1943).
Em 1943 o I Congresso Brasileiro de Economia, realizado no Rio de
Janeiro, em, que reuniu comerciantes, banqueiros, industriais,
agricultores, economistas, funcionários e professores e ganhou corpo
durante os trabalhos da Comissão de Planejamento Econômico, em 1944 e
1945. Este evento foi o epicentro dos debates que contrapunham os
defensores de uma política nacionalista apoiada no protecionismo e os
adeptos de um Estado não intervencionista.
Com a retomada do poder por Getulio Vargas e a criação do Plano
Nacional de Reaparelhamento Econômico (conhecido como o Plano Lafer) o
foco de suas atenções era direcionado para a melhoria da infraestrutura e
o fortalecimento das indústrias de base com investimentos Fundo
Nacional de Reaparelhamento Econômico entregue à administração do Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), criado em 1952.
A intervenção do Estado na Economia é aprofundado com a ascensão de
de Juscelino Kubitschek ao poder. O Plano de Metas por ele adotado
diferencia-se das experiências anteriores já que a a motivação principal
já não é o combate à dependência externa e a defesa da intervenção não
se apoia no nacionalismo, más sim a importância do capital estrangeiro
para o financiamento da industrialização brasileira.
Com renúncia de Jânio Quadros e à tumultuada ascensão de João
Goulart ao poder e sem uma clara diretriz de política econômica pouco
contribuiu para aperfeiçoamento do planejamento governamental.
Com a tomada do poder pelos militares, inaugura-se o que pode ser
convencionado como o apogeu do planejamento governamental. Com o Plano
de Ação e Bases do Governo (Paeg) implementado pelo governo de Castelo
Branco buscava-se corrigir as distorções acumuladas no período anterior
para conter a aceleração do processo inflacionário, promovendo a
estabilização monetária sem comprometer o crescimento econômico. O que
se buscava se apoiava em um conjunto de reformas com o objetivo de
modernizar o Estado com especial atenção à recuperação da capacidade de o
setor público mobilizar recursos para financiar o desenvolvimento.
O governo militar, mobiliza assim, de forma significativa uma ampla
promoção de recursos técnicos para a elaboração de um plano de longo
prazo para o desenvolvimento nacional. O Plano Decenal - 1967-1976, pode
ser caracterizado como a primeira experiência concreta de desenvolver
uma visão estratégica dos interesses e das prioridades nacionais e expor
as medidas necessárias para fazer que elas fossem respeitadas.
Mesmo abandonado pelo governo Costa e Silva a experiência de
elaboração do Plano Decenal deu mais um passo adiante na consolidação de
uma burocracia pública composta por profissionais altamente
qualificados e comprometidos com a causa do planejamento.
No documento Metas e Bases para a Ação do Governo (1970-1972). A
junta militar que sucede Costa e Silva concentração do poder nas mãos de
um Executivo dotado de uma tecnoburocracia competente contribuiu para
que a intervenção do Estado, apoiada na continuidade de um processo de
planejamento, alcançasse praticamente todos os setores da economia.
O I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), 1972-1974, mantém em
linhas gerais os caminhos estabelecidos na década anterior reforça o
papel da burocracia envolvida nas atividades de planejamento. O PND
iniciou uma série de planos de governo feitos em obediência ao
estabelecido no Ato Complementar no 43/1969, que obrigava a elaboração
de Planos Nacionais de Desenvolvimento de duração igual ao mandato do
Presidente da República.
Em 1972 é criado Sistema Federal de Planejamento (Decreto no 71.353),dá um caráter formal a um processo de planejamento.
Durante o Governo Geisel o órgão de planejamento tinha papel central
como Secretaria Geral do Conselho de Desenvolvimento e era vinculada à
Presidência da República,reforçando sua posição como instituição
encarregada de coordenar o processo de planejamento e acompanhar sua
implementação.
Neste sentido pode-se afirmar que período abarcado pelo II PND
(1975-1979) pode ser visto como aquele em que o planejamento
governamental atingiu o auge de sua influência na formulação e na
implementação das políticas de desenvolvimento econômico e social.
Neste sistema a hierarquia era bem definida, concentrando as
decisões estratégicas no Presidente da República, que era assistido por
dois colegiados: o Conselho de Desenvolvimento Econômico e o Conselho de
Desenvolvimento Social, cabendo à Secretaria de Planejamento coordenar
as ações a cargo dos órgãos setoriais, bem como a dos órgãos seccionais
(toda a administração indireta federal).
A década de 80 registra grandes golpes para o sistema de
planejamento. A segunda crise do petróleo e o esgotamento da capacidade
do Estado de manter o ritmo de investimentos, além do clima gerado pela
transição a democracia, fez com que o III PND (1980-1985) cumprisse
apenas a formalidade exigida pelo dispositivo legal.
Em 1985, com a Nova República, o processo de esvaziamento
do planejamento como lugar central das decisões de política econômica e
de coordenação das ações empreendidas pelo governo. Este período marca o
desmonte toda uma estrutura técnica que se encarregava de dar suporte
ao funcionamento do sistema de planejamento. A Constituição Federal de
1988 abalou os alicerces do sistema e contribuiu para o que veio a
ocorrer na década seguinte.
Também na segunda metade da década de 80 marca a busca por reflexão
sobre a crise por que passava o planejamento governamental. Por ocasião
da comemoração dos 25 anos do IPEA em 1989 é lançado uma agenda para a
recuperação do planejamento para os anos 90. Tal agenda além de buscar a
recuperação do planejamento diante do novo cenário democrático e de uma
sociedade plural, buscava a interlocução com a sociedade nas definições
das prioridades nacionais.
O Plano de Metas 1986-1989, elaborado na gestão do presidente
Sarney, renovava o intento de repetir o ritmo de crescimento alcançado
na década de 1970. No entanto, o efêmero sucesso do Plano Cruzado não
permitiu que as expectativas dos formuladores desse plano fossem
confirmadas, contribuindo para que, na prática, ele fosse abandonado,
enquanto o agravamento da crise econômica e política nos derradeiros
anos da década de 1980 atropelou o debate sobre a reconstrução do
planejamento.
No final do governo Sarney a insatisfação da sociedade com os
governantes crescia, à medida que a economia se desorganizava e a
inflação corroía os salários da classe média e jogava uma quantidade
crescente de brasileiros para baixo da linha de pobreza. Denuncias de
corrupção faziam com que os marajás da República, encastelados no
planalto central, passavam a ser alvo de repulsa e indignação.
É nesta onda de instabilidade que surge, Fernando Collor de Mello.
Amparado pelos resultados nas urnas e com a promessa de estancar os
desmandos político do país tem inicio um amplo programa de redução, ou
extinção, de medidas protecionistas, amparadas na onda liberalizante que
tomou conta das economias ocidentais e que tinha como propósito sacudir
os empresários brasileiros e estimulá-los a melhorar a qualidade dos
produtos oferecidos ao consumidor nacional.
Com amparo da Constituição Federal de 1988 este período marcou
ainda a devolução da autonomia política a estados e municípios,
reforçada pela descentralização do poder tributário e a ampliação das
transferências de recursos federais. Neste sentido o que se efetivou foi
algumas as iniciativas isoladas de estados e municípios no campo do
planejamento e da formulação de políticas setoriais abandonavam uma
visão integrada e, ao focalizar o interesse local, fomentavam a
competição e o antagonismo na Federação.
Completando este desmonte da capacidade do Estado para promover e
conduzir o processo de desenvolvimento a adoção do Programa Nacional de
Desestatização (PND), que tinha por objetivo transferir à iniciativa
privada atividades controladas pelo Estado que exerceram papel central
nas experiências de planejamento dos anos 1970.
Com menos de dois anos a reestruturação propostas por Collor de
Melo, consegui destruir a já fragilizada estrutura de planejamento.
Com o impeachment de Collor de Mello e a ascensão ao pode do
Vice-presidente Itamar Franco com inclinações nacionalistas e uma maior
disposição para aceitar a tese da importância da presença do Estado em
um projeto de desenvolvimento é recriada a Secretaria do Planejamento e
Coordenação da Presidência da República,. Mas em pouco tempo, a
tentativa de recompor o espaço do planejamento no centro das decisões
governamentais foi abandonada, e o governo rendeu-se à realidade de ter
de negociar com o Congresso a composição da equipe ministerial para
construir uma base de apoio político que lhe desse condições de
governar.
Com o Governo de Fernando Henrique Cardoso, ressurgem as esperanças
de que o planejamento viesse a se situar em lugar de destaque na
administração pública. O sucesso do plano de estabilização monetária e a
abertura para que profissionais qualificados para administrar a pasta
de planejamento que naquele momento assumia o status de ministério –
Ministério do Planejamento e do Orçamento, abria-se a possibilidade para
a retomada estratégica para a retomada do desenvolvimento, assim como
para a definição do papel do Estado quanto a sua implementação.
Com o objetivo de dar modernidade e eficiência ao Estado, a busca de
ajustes frente aos desequilíbrio espaciais e sociais, além da inserção
competitiva e modernização produtiva o Plano Plurianual para o período
1996-1999 se apoiava em estudos e projeções macroeconômicas mas, mais
uma vez estava associado ao sucesso do plano de estabilidade monetária. O
Plano Real mostra seus resultados positivos mas os eventos que o
sucederam deram pistas que apenas o plano de estabilidade não seria
suficiente para a retomada e recuperação do planejamento.
Assim, mais uma vez, as reformas estruturais passam a fazer parte
das prioridades do governo. As privatizações ganham forte
impulsos estendendo-se aos monopólios do Estado nos setores de energia
elétrica e telecomunicações e à venda da Companhia Vale do Rio Doce, e
das ações da Petrobras que excedessem o mínimo necessário para manter o
controle acionário da empresa.
o PPA 2000 - 2003, que assumia marca de fantasia de Avança Brasil,
destacava entre seus objetivos a necessidade de racionalizar e melhorar a
qualidade do gasto público, tendo em conta um cenário de restrições ao
seu financiamento, mediante a implantação de um sistema de gestão
pública orientada para resultados que contribuísse para aumentar a
eficiência e a eficácia na aplicação de recursos e a legitimidade das
ações do governo perante a sociedade civil.
O presidencialismo de coalizão, com controle sobre a execução
orçamentária passou a ser não apenas um instrumento de sustentação da
disciplina fiscal, mas também um instrumento útil para a negociação de
apoio à aprovação pelo Congresso de medidas de interesse do governo,
mediante o controle sobre a liberação de emendas parlamentares ao
orçamento.
Eleito, Lula, após duas derrotas consecutivas, o ritual de dar
atenção a questões de estabilidade econômica se repetem e mesmo tendo em
sua gestão a possibilidade de editar dois planos plurianuais que tinham
como pano de fundo do desenvolvimento o compromisso com questões
sociais, continuaram a carecer de condições concretas para serem
efetivamente implementados.
Apesar de manter a lógica de planejamento com já vinha acontecendo
em governos anteriores, vale lembrar a preocupação em retomar a
capacidade de planejamento setorial, com destaque para o setor de
energia, em que a criação de uma empresa pública voltada para o
planejamento do setor elétrico passa a preencher um vazio gerado pela
privatização do setor e soma-se à capacidade de a Petrobras elaborar
planos estratégicos para o desenvolvimento das atividades relacionadas à
extração do petróleo e à promoção de fontes alternativas de energia.
BIBLIOGRAFIA:
Misoczky, Maria Ceci Araujo. Planejamento e programação na administração pública. Florianópolis. Departamento de Ciências da Administração. UFSC; [Brasília] : CAPES : UAB, 2011.
Rezende, Fernando. Planejamento no Brasil: auge, declínio e caminhos para a reconstrução A reinvenção.
In A reinvenção do planejamento governamental no Brasil / organizador:
José Celso Cardoso Jr. – Brasília : Ipea, 2011. v.4 (517 p.)
SANTOS, Maria Paula Gomes dos, Políticas públicas e sociedade , 2. ed. Reimp. Florianópolis : Departamento de Ciências da Administração / UFSC, 2012.