PAULO ROBERTO MERMEJO
O cotidiano do ensino de filosofia na sala de aula nos obriga
ao constante desafio de se redesenhar enquanto docente. O fazer aula no
componente curricular Filosofia é laboratório de redescobertas. Quando preparo
a aula, quando entro em sala de aula, quando estou preparado para fazer aula de
filosofia busco a resposta da constante e inquietante pergunta.: O que
significa ensinar filosófica? Sei da não univocidade possível da resposta, mas
guardo em mim a cultura filosófica que visitei na tradição consolidada. Trago
de forma polifônica cada resposta legada pelas diferentes perspectivas que
constitui o que se tem em termos de história da filosofia. Sei que o que leva
para a sala de aula não se trata de um saber determinado, mas levo comigo o
desejo de querer saber de amigo, do querer saber como incrustado na etimologia
da palavra filosofia. Levo comigo o desejo de quem não tem e de quem não pode
ter, mas que deseja alcançá-lo – o saber, o querer saber. Deixo transcender de
mim, minha relação com o pensar, minha relação com o desejo de saber. E quando
ensino, envolvo-me filosoficamente para além do envolvimento didático. Levo
para a sala de aula a dúvida, não um recorte
de um domínio do saber que se transmite na relação professor-aluno. Levo
um convite para que possamos pensar juntos. Desejo o vínculo, desejo o encontro
mestre-estudante-filosofia. Busco a construção subjetiva que se deixa apoiar na
objetividade da conjuntura.
No espaço de se fazer aula, em que dioturnamente me
encontro, deixo-me convocar como pensador que transcende ao modelo de
transmissão acrítica de um saber de quem supostamente-sabe. Não como
especialista que discorre a tradição e fomenta cultura pronta. Nesta relação,
permito-me aprender em uma ação sobre mim mesmo que se convertem em constante
retrospectiva que construtivamente me permite aprender para ensinar. Atrevo-me
a consultar minhas memórias... a rever como fui ensinado e, de forma reflexiva,
me permito resgatar o ensinante que guarda características de como foi
ensinado. Permito-me rever como me formei e como me formaram para compreender
como ensino.
Permito-me refletir os vínculos que estabeleci com a
filosofia e como estes vínculos, me determinam como docente. Afinal foi destes
vínculos que construí interpretações do ensinar e aprender filosofia. E no
percurso profissional, me deixei formar professor de filosofia para além das
matérias pedagógicas que constantemente me são apresentadas. Reconheço-me no
percurso a minha auto formação, assim como as redes de vozes que constroem
minha enunciação.
Ao fazer aula de filosofia problematizo o ensinar filosofia,
confronta-me com o espelho questiono a mim mesmo e pergunto como aprendi
filosofia? O que aprendi em filosofia? E naquele espaço – a sala de aula espera
a adversidade que acompanham as ferramentas do ensinar filosofia. A vida
privada, o fenômeno do momento, facilmente descontroem o caminho planejado e se
convertem em nova metodologia para o ensino. Busco o que se faz germinal do
filosofar e que se proponham a ser atualizado pelos alunos que ali se
encontram. Busco a metamorfose da certeza na atitude de quem suspeita, questiona
ou critica a realidade dada.
Deixo-me converter em provocador, de quem convida ao
pensamento, de quem convida a pensar. Instigo em meus alunos o autoaprendizado
para que se apropriem da singularidade do saber. E no encontro com quem se
permite autoaprendiz, busco minha autotransformação, busco minha própria
dialética como quem se pensa no mundo ao pensar o mundo. Permito-me transformar-me
em sujeito da educação que constrói o seu próprio caminho.
Quando faço aula de filosofia, me deixo abertas as
antinomias. Um fazer filosofia que quando se faz, nega o filosofar. Deixo-me
levar por Derrida e como ele propõe não me iludo ou nego tais antinomias e,
deixo que elas fortaleçam as posições, de onde estou e para onde vou. Quando me
proponho a ensinar filosofia, me dedico a um caminho, mas sei que a filosofia
não comporta um único caminho. Sei que ao mesmo tempo, não há lugar para um
método, mas também sei que não há lugar para a ausência de métodos. Faço com
que o caminho mostre o caminho, percorro os dados do caminho que dialoga com a
busca a que se pretende.
Identifico no outro o no não saber e confronto-me com o
meu não saber, deixo o saber a vontade de Sócrates que indaga, interroga a
dúvida. Não me furto a ignorar a minha própria ignorância. Deixo surgir novas
perguntas quando da busca pela pergunta anterior. Permito-me o trânsito entre o
plural e o singular, entre o particular e o universal. Sei que a regra geral
não é tão geral, permite a discordância, permite a transcendência de seus
limites. O singular se agiganta, mas sem se generalizar no universal. Divago as
assertivas lógicas aristotélicas, caminho pela certeza do método cartesiano,
mas ao mesmo tempo me deixo levar pelo devaneio da parassistemático em uma
lógica que não se contenta com o terceiro excluído, e se prepara para a ação do
entre. Deixo-me encantar pelo
principio da incerteza, navego no movimento quântico do elétron junto com o
possível a ser desvendado. Projeto o trabalho sobre o outro, identifico a mim
mesmo no trabalho do outro, me aproprio da cultura herdada e mergulho em um
fazer filosofia que desbrava o limite do já construído e constituído. Oriento
com o punho da heteronomia mas, deixo
escapar pelo último toque do dedo o caminho de quem se constrói autônomo e
assim, capturo no olhar atento as singularidades que vão se convertendo no
conjunto da multiplicidade. Ao fazer aula de filosofia, não cerco o pensamento
com as barreiras da verdade, deixo que a verdade subverta, se torne ela mesma
busca pelo fluxo que se estende ao horizonte em busca de algo. Um algo que nos
obriga a filosofar.