sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

EU PROFESSOR DE FILOSOFIA



PAULO ROBERTO MERMEJO

            O cotidiano do ensino de filosofia na sala de aula nos obriga ao constante desafio de se redesenhar enquanto docente. O fazer aula no componente curricular Filosofia é laboratório de redescobertas. Quando preparo a aula, quando entro em sala de aula, quando estou preparado para fazer aula de filosofia busco a resposta da constante e inquietante pergunta.: O que significa ensinar filosófica? Sei da não univocidade possível da resposta, mas guardo em mim a cultura filosófica que visitei na tradição consolidada. Trago de forma polifônica cada resposta legada pelas diferentes perspectivas que constitui o que se tem em termos de história da filosofia. Sei que o que leva para a sala de aula não se trata de um saber determinado, mas levo comigo o desejo de querer saber de amigo, do querer saber como incrustado na etimologia da palavra filosofia. Levo comigo o desejo de quem não tem e de quem não pode ter, mas que deseja alcançá-lo – o saber, o querer saber. Deixo transcender de mim, minha relação com o pensar, minha relação com o desejo de saber. E quando ensino, envolvo-me filosoficamente para além do envolvimento didático. Levo para a sala de aula a dúvida, não um recorte  de um domínio do saber que se transmite na relação professor-aluno. Levo um convite para que possamos pensar juntos. Desejo o vínculo, desejo o encontro mestre-estudante-filosofia. Busco a construção subjetiva que se deixa apoiar na objetividade da conjuntura.
            No espaço de se fazer aula, em que dioturnamente me encontro, deixo-me convocar como pensador que transcende ao modelo de transmissão acrítica de um saber de quem supostamente-sabe. Não como especialista que discorre a tradição e fomenta cultura pronta. Nesta relação, permito-me aprender em uma ação sobre mim mesmo que se convertem em constante retrospectiva que construtivamente me permite aprender para ensinar. Atrevo-me a consultar minhas memórias... a rever como fui ensinado e, de forma reflexiva, me permito resgatar o ensinante que guarda características de como foi ensinado. Permito-me rever como me formei e como me formaram para compreender como ensino.
            Permito-me refletir os vínculos que estabeleci com a filosofia e como estes vínculos, me determinam como docente. Afinal foi destes vínculos que construí interpretações do ensinar e aprender filosofia. E no percurso profissional, me deixei formar professor de filosofia para além das matérias pedagógicas que constantemente me são apresentadas. Reconheço-me no percurso a minha auto formação, assim como as redes de vozes que constroem minha enunciação.
            Ao fazer aula de filosofia problematizo o ensinar filosofia, confronta-me com o espelho questiono a mim mesmo e pergunto como aprendi filosofia? O que aprendi em filosofia? E naquele espaço – a sala de aula espera a adversidade que acompanham as ferramentas do ensinar filosofia. A vida privada, o fenômeno do momento, facilmente descontroem o caminho planejado e se convertem em nova metodologia para o ensino. Busco o que se faz germinal do filosofar e que se proponham a ser atualizado pelos alunos que ali se encontram. Busco a metamorfose da certeza na atitude de quem suspeita, questiona ou critica a realidade dada.
            Deixo-me converter em provocador, de quem convida ao pensamento, de quem convida a pensar. Instigo em meus alunos o autoaprendizado para que se apropriem da singularidade do saber. E no encontro com quem se permite autoaprendiz, busco minha autotransformação, busco minha própria dialética como quem se pensa no mundo ao pensar o mundo. Permito-me transformar-me em sujeito da educação que constrói o seu próprio caminho.
            Quando faço aula de filosofia, me deixo abertas as antinomias. Um fazer filosofia que quando se faz, nega o filosofar. Deixo-me levar por Derrida e como ele propõe não me iludo ou nego tais antinomias e, deixo que elas fortaleçam as posições, de onde estou e para onde vou. Quando me proponho a ensinar filosofia, me dedico a um caminho, mas sei que a filosofia não comporta um único caminho. Sei que ao mesmo tempo, não há lugar para um método, mas também sei que não há lugar para a ausência de métodos. Faço com que o caminho mostre o caminho, percorro os dados do caminho que dialoga com a busca a que se pretende.
            Identifico no outro o no não saber e confronto-me com o meu não saber, deixo o saber a vontade de Sócrates que indaga, interroga a dúvida. Não me furto a ignorar a minha própria ignorância. Deixo surgir novas perguntas quando da busca pela pergunta anterior. Permito-me o trânsito entre o plural e o singular, entre o particular e o universal. Sei que a regra geral não é tão geral, permite a discordância, permite a transcendência de seus limites. O singular se agiganta, mas sem se generalizar no universal. Divago as assertivas lógicas aristotélicas, caminho pela certeza do método cartesiano, mas ao mesmo tempo me deixo levar pelo devaneio da parassistemático em uma lógica que não se contenta com o terceiro excluído, e se prepara para a ação do entre. Deixo-me encantar pelo principio da incerteza, navego no movimento quântico do elétron junto com o possível a ser desvendado. Projeto o trabalho sobre o outro, identifico a mim mesmo no trabalho do outro, me aproprio da cultura herdada e mergulho em um fazer filosofia que desbrava o limite do já construído e constituído. Oriento com o punho da heteronomia  mas, deixo escapar pelo último toque do dedo o caminho de quem se constrói autônomo e assim, capturo no olhar atento as singularidades que vão se convertendo no conjunto da multiplicidade. Ao fazer aula de filosofia, não cerco o pensamento com as barreiras da verdade, deixo que a verdade subverta, se torne ela mesma busca pelo fluxo que se estende ao horizonte em busca de algo. Um algo que nos obriga a filosofar.