sexta-feira, 10 de setembro de 2010

TRANSFERÊNCIA

TRANSFERÊNCIA:

RESISTÊNCIA OU INSTRUMENTO DE ANÁLISE

 
 

 
 

 
 

INTRODUÇÃO

No vocabulário de Psicanálise (Laplanche,1992) O verbete Transferência, por sí mostra a diversidade e complexidade por que enredou no transcurso da teoria psicanalítica. De forma geral encontramos que transferência: 'Designa em psicanálise o processo pela qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada. É à transferência no tratamento que os psicanalista chamam a maior parte das vezes transferência, sem qualquer outro qualificativo. A transferência é classicamente reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidade, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este". (p514).

 
 

Se partirmos dessa breve apresentação do conceito fornecida por Laplanche, poderíamos nos iludir com tal simplicidade, isso, se o próprio Lapranche em seu vocabulário, já não nos tivesse alertado da complexidade do conceito. Mas para o melhor desencadeamento de nossa problemática, contrapondo a breve apresentação descrita, recordemos as palavras finais do último parágrafo do artigo "Sobre o início do tratamento": ". Em cada caso, temos de esperar até que a perturbação da transferência pelo aparecimento sucessivo de resistências transferenciais tenha sido removida."(Vol XII pag.187) . Assim podemos já de imediato identificar uma certa ambivalência no conceito. Na apresentação feita por Laplanche identificamos o conceito de Transferência servindo como pilar do processo psicanalítico, já na passagem citada, notamos a presença de uma ramificação do conceito, com a caracterização de "resistência transferencial".

 
 

Enveredar pêlos caminhos e problemáticas que o conceito de transferência nos oferece seria por demasiado complexo e nos exigiria, maior tempo do que dispomos para tal. Nesse sentido centramos na problemática proposta a cima. Como que um dos pilares da resolução da análise psicanalítica pode ser ao mesmo tempo as consecução de um dos mais poderosos mecanismos de resistência a mesma?

 
 

No presente trabalho, propomo-nos a investigação de tal problemática, sem no entanto, nos atermos a outras possíveis ramificações que poderiam advir de tal questionamento, que por certo se faz presente em todo o percurso do desenvolvimento da teoria psicanalítica. Também não é nossa intenção identificar uma solução para tal problemática. Atemo-nos aqui, a discussão de tal ambigüidade, que para nós já se mostrou suficiente para uma melhor compreensão dos quadros que possam perpassar nossas vidas profissionais.

 
 

Estabelecida a problemática, passamos a leitura do conceito nos diversos contextos em que foi apresentado no decurso do desenvolvimento da teoria. E nesse sentido procurou-se estabelecer os que mais possibilitassem a compreensão da dicotomia apresentada. O conceito de Transferência, podo ser identificado, em sua forma embrionária, já nos primeiros trabalhos da teoria. A célebre passagem do enamoramento de Breuer por Ana O, apesar de não ser descrita pelo criador da Psicanálise como transferência e Contratransferência pode ser sentida como tal. Dez anos separam esse episódio da compreensão estabelecida pelas comunicações preliminares ( 1895), que efetivamente marcaria a criação da teoria da transferência. Nesse sentido as elaborações teóricas de Freud sobre o conceito, como a maioria de seus achados, se deu de forma paulatina e contínua.

Percorrer os caminhos intrincados em que se desenvolveu o conceito de transferência, foi-nos suficiente para que identificasse-mos o contexto da problemática. Nas comunicações preliminares de 1985 temos a transferência como uma das mais fortes formas de resistência:" Reiteradamente, quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a consciência e defendida com a maior obstinação." (p138), ao mesmo tempo em que se apresenta como fundamental ao trabalho analítico: " Na verdade, uma relação de dependência afetuosa e dedicada pode, pelo contrário, ajudar uma pessoa a superar todas as dificuldades de fazer uma confissão."(p139).

 
 

E nesse caminho encontramos as bases da discussão.

 
 

A final do percurso a que nos propomos, identificamos que apesar da ambigüidade do conceito, Freud usa-o categoricamente no intuito de que, é a partir da transferência que se pode chegar ao desconhecido da gênese das neuroses, assim como nos alerta para os possíveis perigos que a trama da transferência podem apresentar.

 
 

DESENVOLVIMENTO:

 
 

Para justificar a transferência Freud se remete a duas porções da energia libidinal uma consciente e outra inconsciente(1912). Argumenta que todo indivíduo, pelo que trás de inato ou que adquire no transcurso do desenvolvimento de sua personalidade apresentam "métodos próprios de condução de sua vida erótica". E que somente parte do impulso libidinal, que serve a esse fim, passou por todo o processo da vida psíquica. Assim podemos entender que Freud argumenta que a parti consciente desse impulso tende a busca de objetos para o seu amor, que são oferecidos pela realidade, porem outra parte estaria afastada da realidade, impedida de expansão ulterior, podendo-se realizar na fantasia ou ficando profundamente inconsciente: "Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que encontra com idéias libidinais antecipadas; e é bastante provável que ambas as partes de sua libido, tanto a parte que é capaz de se tornar consciente quanto a inconsciente, tenham sua cota na formação dessa atitude." (1942 p.134).

Nesse caminho Freud justifica, a tendência ao amor pela figura do médico. Se a catexia procura protótipos, e se o referido médico apresenta tais estereótipos, este estaria sujeito aos caprichos da imago paterna, ou até fraterna de seu cliente. A transferência estaria justificada dessa forma, por idéias antecipadas tanto de instâncias conscientes como de instância inconscientes.

Porem mesmo Freud propõe que tal apresentação parece simplista frente a complexidade do problema e argumenta: "Nada mais haveria a examinar ou com que se preocupar a respeito deste comportamento da transferência, não fosse permanecerem inexplicados nela dois pontos que são de interesse específico para os psicanalistas. Em primeiro lugar, não compreendemos por que a transferência é tão mais intensa nos indivíduos neuróticos em análise que em outras pessoas desse tipo que não estão sendo analisadas. Em segundo, permanece sendo um enigma a razão por que, na análise, a transferência surge como a resistência mais poderosa ao tratamento, enquanto que, fora dela, deve ser encarada como veículo de cura e condição de sucesso."(1942 p.135). É nesse caminho que discorreremos a problemática; pode a transferência ser condição de cura, ao mesmo tempo que representa a mais forte expressão de resistência?

Para tanto partiremos para a conceitualização do termo transferência.

No dicionário de termos de psicanálise de Freud (Cunha,1978 p.215) encontramos a definição de transferência na análise: "O paciente vê no seu analista o retorno - a reencarnação - de algumas figuras importantes de sua infância ou de seu passado e, consequentemente, a ele transfere sentimentos e reações que, sem dúvida, se aplicavam a esse modelo. Logo se evidencia que este fato da transferência é um fator de um importância não imaginada - por um lado, um instrumento de valor insubstituível e, por outro, uma fonte de sérios perigos. Esta transferência é ambivalente; compreende tanto atitudes positivas e afetuosas, quanto negativas e hostis em relação ao analista que, via de regra, é posto no lugar de um dos pais do paciente - pai ou mãe. Na medida em que é positiva, nos serve admiravelmente. Altera todas a situações analíticas e desvia o propósito racional do paciente de se tornar bom e livre de seus problemas. Em vez disso, emerge o propósito, de agradar o analista, de merecer o seu aplauso e o seu amor. Isto se torna a verdadeira força motriz para a colaboração do paciente; o ego fraco se torna forte; sob a influência deste propósito, o paciente atinge coisas que, de outro modo, estariam além do seu alcance; seus sintomas desaparecem e ele parece Ter se recuperado - tudo isso simplesmente a partir do amor pelo analista... Os êxitos terapêuticos, que têm lugar sob influência da transferência positiva, estão sob a suspeita de serem de natureza sugestiva. Se a transferência negativa obtém a primazia, eles são soprados como espuma do mar, pulverizada pelo vento"

Já no verbete "Analista, influência do" (Cunha,1978 p.10), podemos encontrar que "Tal influência realmente existe e desempenha um papel importante na análise. Não empregamos esta influência pessoal - elemento sugestivo - como é feito na sugestão hipnótica, para suprimir os sintomas que o paciente sofre. Alem do mais, seria um erro pensar que esse elemento resiste ao impacto e proporciona o principal auxílio no tratamento. No princípio, sim, mas, mais tarde, atrapalha os nossos propósitos analíticos e nos força a adotar contra-medidas mais extensivas... O neurótico dispõe-se à tarefa, porque ele crê no analista, e acredita nele porque começa a nutrir por ele certos sentimentos. De fato, a atitude é - para dizê-lo cruamente - uma espécie de enamorar-se. O paciente repete, na maneira de enamorar-se pelo analista, experiências psíquicas, pelas quais passou antes: transferiu, ao analista, atitudes psíquicas, pelas quais passou antes; ele transferiu, ao analista, atitudes psíquicas disponíveis dentro dele e que estavam intimamente relacionadas com o início de sua neurose. Ele também repete, ante os nossos olhos, suas antigas relações de defesa e nada mais quer do que repetir todas as vicissitudes daquele período esquecido, em suas relações com o analista. Assim, o que nos está mostrando, é o próprio âmago de sua vida mais íntima; ele está reproduzindo-a, perceptivelmente, como se, em vez de lembrar, tudo estivesse acontecendo no presente. Através disso, o enigma do amor transferencial é resolvido e, com própria ajuda da nova situação, que parecia tão ameaçadora, o analista pode progredir."

Partindo desses dois exemplos podemos confirmar a ambigüidade do conceito a que nos propomos, porem seria necessário apreender, aqui a evolução de tal teoria dentro da obra de Freud, para tanto nos remeteremos a Etchegoyen (1987), que nos apresenta esse percurso. O autor argumenta que a teoria da transferência se apresenta, de um lado, como se tivesse vindo ao gênio de Freud de uma única vez, de outro, pelo desenvolvimento lento no decurso de sua produção. Assim no primeiro sentido podemos nos referir a teoria em sí e no segundo aos detalhes.

 
 

TENTATIVA DE UM POSICIONAMENTO HISTÓRICO DO CONCEITO NA OBRA PSICANALÍTICA:

 
 

 
 

 
 

Para maior entendimento do conceito é necessário nos remetermos a primeira aparição do que posteriormente viria a significar a ambígua transferência. O primeiro relato remete-se ao episódio que envolveu Breuer e Anna O, mas nesse momento Freud não estabelece nenhuma conexão entre o enamoramento e a terapia e o episódio é relatado como um drama sentimental, comum, humano igual a qualquer outro. Se partirmos de que, desse ponto até as "comunicações preliminares" ( 1895) decorreram dez anos, podemos entender que a teoria teve um longo desenvolvimento até chegar a problemática a que nos propomos.

Um outro documento onde os germes da teoria da transferência aparece, é o capitulo IV da psicoterapia da histeria(V II, 1895). Nesse artigo a idéia de transferência como um falso encontro, já se mostra categoricamente. Freud parte da discussão a respeito da confiabilidade da coerção associativa, e argumenta três situações onde se pode identificar o fracasso da técnica; a primeira se dá quando não há mais o que se investigar em uma área determinada; a segunda pode ser descrita como uma resistência interna, e por fim uma resistência externa. Essa última enquanto resistência externa pode ser demonstrado por três casos diferentes: pela ofensa, dependência e falsa ligação.

" (1) Quando há uma desavença pessoal - quando, por exemplo, a paciente acha que foi negligenciada, muito pouco apreciada ou insultada, ou quando ouve comentários desfavoráveis sobre o médico ou sobre o método de tratamento. Esse é o caso menos grave. O obstáculo pode ser superado com facilidade por meio da discussão e da explicação, muito embora a sensibilidade e a desconfiança dos pacientes histéricos possam às vezes atingir dimensões surpreendentes.

(2) Quando a paciente é tomada pelo pavor de ficar por demais acostumada com o médico em termos pessoais, de perder sua independência em relação a ele, e até, quem sabe, de tornar-se sexualmente dependente dele. Esse é um caso mais importante, pois seus determinantes são menos individuais. A causa desse obstáculo reside na especial solicitude que é inerente ao tratamento. A paciente tem então um novo motivo para a resistência, que se manifesta não só em relação a alguma reminiscência específica, mas a qualquer tentativa de tratamento. É muito comum a paciente se queixar de dor de cabeça ao iniciarmos a técnica da pressão, pois em geral seu novo motivo para a resistência permanece inconsciente, expressando-se por meio de um novo sintoma histérico. A dor de cabeça indica que ela não gosta de se deixar influenciar.

(3) Quando a paciente se assusta ao verificar que está transferindo para a figura do médico as representações aflitivas que emergem do conteúdo da análise."
No terceiro caso o paciente adscreve ao médico representações desprazeirosas que emergem durante a tarefa. Uma transferência que se leva a cabo em função de uma conexão errônea equivocada e nesse sentido ele denomina de falsa ligação. A saída para tal situação é descrita por Freud a partir da elucidação do engano. Freud argumenta ainda que após o restabelecimento da situação aquelas associações reaparecem sob a forma de recordações patológicas e, nesse sentido já antecipava potencialmente o que viria a propor como teoria da transferência.

Já no epílogo do caso Dora em "fragmentos da análise de um caso de histeria (Vol. VI 1905) Freud desenvolve uma teoria ampla sobre a transferência. Ali ele argumenta que durante o tratamento psicanalítico a neurose deixa de produzir novos sintomas, porém seu poder, que não se extinguiu, se aplica na criação de uma classe especial de estruturas mentais, nem sempre conscientes, denominada por ele de Transferência. Essas transferências seriam impulsos ou fantasias que se fazem consciente durante o tratamento com a particularidade de que os personagens investidos são, agoira, encarnados na figura do médico. Tais fantasias se apresentam como reimpressões de imagens estabelecidas no início do transtorno, ou como novas imagens que estariam associadas a sublimação. Para ele a transferência seria inevitável ao tratamento psicanalítico. E se a transferência não pode ser evitada é porque o material patológico tende a se manter inacessível. Nesse artigo já se apresenta o dilema da transferência em suas duas vertentes como obstáculo e como agente da cura. Freud assim argumenta que o tratamento não cria a transferência, mas descobre, assim que ela existe fora e dentro da análise. Ela é descoberta continuamente no decorrer da análise.

Após esse breve histórico do conceito, podemos nos remeter ao artigo "a dinâmica da transferência" (1912 vol.XII p133). Como antecipamos no início é justamente nesse artigo que encontraremos a teoria da transferência em toda a sua completude. Ja argumentamos que a origem da transferência está na parte da energia libidinal inconsciente que se apega a estereótipos que o sujeito traz do desenvolvimento de sua personalidade. Resta agora estabelecer as relações da transferência com a resistência e a conseqüente problemática aludida a partir da noção de uma resistência positiva. Freud demonstra que: "o problema de saber por que a transferência aparece na psicanálise como resistência - está por enquanto intacto; e temos agora de abordá-lo mais de perto. Figuremos a situação psicológica durante o tratamento. Uma precondição invariável e indispensável de todo desencadeamento de uma psiconeurose é o processo a que Jung deu o nome apropriado de 'introversão'. Isto equivale a dizer: a parte da libido que é capaz de se tornar consciente e se acha dirigida para a realidade é diminuída, e a parte que se dirige para longe da realidade e é inconsciente, e que, embora possa ainda alimentar as fantasias do indivíduo, pertence todavia ao inconsciente, é proporcionalmente aumentada."(p.136). O processo psicológico se constitui, assim a partir da introversão que reconhece dois fatores de realização, sendo que o primeiro se refere a ausência de satisfação no mundo real e atual, que inicia a introversão e o segundo pela atração dos complexos inconscientes, ou melhor dito, dos elementos inconscientes desse complexo - os conflitos infantis e fixações.

Assim o analista passa a desempenhar o papel de inimigo da regressão e da repressão que vão operar agora como resistência. Assim as forças que puseram em marcha o processo patológico apontam agora contra o analista enquanto agente de mudança que quer reverter o processo: " Se acompanharmos agora um complexo patogênico desde sua representação no consciente (seja ele óbvio, sob a forma de um sintoma, ou algo inteiramente indiscernível) até sua raiz no inconsciente, logo ingressaremos numa região em que a resistência se faz sentir tão claramente que a associação seguinte tem de levá-la em conta a aparecer como uma conciliação entre suas exigências e as do trabalho de investigação. É neste ponto, segundo prova nossa experiência, que a transferência entra em cena. Quando algo no material complexivo (no tema geral do complexo) serve para ser transferido para a figura do médico, essa transferência é realizada; ela produz a associação seguinte e se anuncia por sinais de resistências - por uma interrupção, por exemplo. Inferimos desta experiência que a idéia transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz a resistência. Um evento deste tipo se repete inúmeras vezes no decurso de um análise. Reiteradamente, quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a consciência e defendida com a maior obstinação." (p138).

Essa reflexão é por si só suficiente para relacionar transferencia e resistência. Porem Freud não se dá por contente e propõe outra dúvida: " Como é possível que a transferência sirva tão admiravelmente de meio de resistência? Poder-se-ia pensar que a resposta possa ser fornecida sem dificuldade, pois é claro que se torna particularmente difícil de admitir qualquer impulso proscrito de desejo, se ele tem de ser revelado diante desse tipo dá origem a situações que, no mundo real, mal parecem possíveis. Mas é precisamente a isso que o paciente visa, quando faz o objeto de seus impulsos emocionais coincidir com o médico. Uma nova consideração, no entanto, mostra que essa vitória aparente não pode fornecer a solução do problema. Na verdade, uma relação de dependência afetuosa e dedicada pode, pelo contrário, ajudar uma pessoa a superar todas as dificuldades de fazer uma confissão."(p139). Por que a resistência utiliza a transferência como seu melhor instrumento? Ele argumenta que o tratamento analítico, tem que vencer a introversão da libido motivada pela pela frustração da satisfação, por um lado (externo) , e pela atração dos complexos inconscientes, por outro lado (internos), assim cada ato do analisando conta com esse fator de resistência e representa um compromisso entre as forças que tendem a saúde e as que a ela se opõem.

Nesse ponto Freud faz uma distinção entre transferência positiva e transferência negativa:" Percebemos afinal que não podemos compreender o emprego da transferência como resistência enquanto pensarmos simplesmente em 'transferência'. Temos de nos resolver a distinguir uma transferência 'positiva' de uma 'negativa', a transferência de sentimentos afetuosos da dos hostis e tratar separadamente os dois tipos de transferência para o médico. A transferência positiva é ainda divisível em transferência de sentimentos amistosos ou afetuosos, que são admissíveis à consciência, e transferência de prolongamentos desses sentimentos no inconsciente. Com referência aos últimos, a análise demonstra que invariavelmente remontam a fontes eróticas. E somos assim levados à descoberta de que todas as relações emocionais de simpatia, amizade, confiança e similares, das quais podemos tirar bom proveito em nossas vidas, acham-se geneticamente vinculadas à sexualidade e se desenvolveram a partir de desejos puramente sexuais, através da suavização de seu objetivo sexual, por mais puros e não sensuais que possam parecer à nossa autopercepção consciente. Originalmente, conhecemos apenas objetos sexuais, e a psicanálise demonstra-nos que pessoas que em nossa vida real são simplesmente admiradas ou respeitadas podem ainda ser objetos sexuais para nosso inconsciente." (p 140)

Antes de entrarmos no enigma da transferencia positiva, podemos argüir que a transferência serve a resistência em dois sentidos: primeiro porque a transferência é a distorção mais afetiva e depois porque conduz a resistência mais forte, e nesse sentido se apresenta como apenas uma tática para que o paciente usa para resistir. Quanto a divisão em transferência positiva e negativa, e a primeira em erótica e sublimada, Freud a faz para justificar que somente a transferencia negativa e a positiva de impulsos neuróticos atuam como resistência: " Assim, a solução do enigma é que a transferência para o médico é apropriada para a resistência ao tratamento apenas na medida em que se tratar de transferência negativa ou de transferência positiva de impulsos eróticos reprimidos. Se "removermos' a transferência por torná-la consciente, estamos desligando apenas, da pessoa do médico, aqueles dois componentes do ato emocional; o outro componente, admissível à consciência e irrepreensível, persiste, constituindo o veículo de sucesso na psicanálise, exatamente como o é em outros métodos de tratamento. Até este ponto admitimos prontamente que os resultados da psicanálise baseiam-se na sugestão; por esta, contudo, devemos entender, como o faz Ferenczi (1909), a influenciação de uma pessoa por meio dos fenômenos transferenciais possíveis em seu caso. Cuidamos da independência final do paciente pelo emprego da sugestão, a fim de fazê-lo realizar um trabalho psíquico que resulta necessariamente numa melhora constante de sua situação psíquica.

Pode-se levantar ainda a questão de saber por que os fenômenos de resistência da transferência só aparecem na psicanálise e não em formas indiferentes de tratamento (em instituições, por exemplo). A resposta é que eles também se apresentam nestas outras situações, mas têm de ser identificados como tal. A manifestação de uma transferência negativa é, na realidade, acontecimento muito comum nas instituições. Assim que um paciente cai sob o domínio da transferência negativa, ele deixa a instituição em estado inalterado ou agravado. A transferência erótica não possui efeito tão inibidor nas instituições, visto que nestas, tal como acontece na vida comum, ela é encoberta ao invés de revelada. Mas se manifesta muito claramente como resistência ao restabelecimento, não, é verdade, por levar o paciente a sair da instituição - pelo contrário, retém-no aí - mas por mantê-lo a certa distância da vida. Pois, do ponto de vista do restabelecimento, é completamente indiferente que o paciente supere essa ou aquela ansiedade ou inibição na instituição; o que importa é que ele fique livre dela também na vida real."(p140).

Assim, apesar da ambigüidade a que se remete o texto, temos que a transferência opera como todos os sintomas expressa os termos do conflito, seja ela positiva ou negativa o processo psicanalítico se desenvolve de acordo com sua própria dinâmica.

RETOMADA DO PROBLEMA; UM PONTO DO PENSAMENTO DE FREUD A SER CONSIDERADO:

A partir desse ponto podemos passar a análise de um ponto que se apresenta bastante intrincado na teoria da Transferência; " A análise tem de lutar contra as resistências oriundas de ambas essas fontes. A resistência acompanha o tratamento passo a passo. Cada associação isolada, cada ato da pessoa em tratamento tem de levar em conta a resistência e representa uma conciliação entre as forças que estão lutando no sentido do restabelecimento e as que se lhe opõem, já descritas por mim.

Se acompanharmos agora um complexo patogênico desde sua representação no consciente (seja ele óbvio, sob a forma de um sintoma, ou algo inteiramente indiscernível) até sua raiz no inconsciente, logo ingressaremos numa região em que a resistência se faz sentir tão claramente que a associação seguinte tem de levá-la em conta a aparecer como uma conciliação entre suas exigências e as do trabalho de investigação. É neste ponto, segundo prova nossa experiência, que a transferência entra em cena. Quando algo no material complexivo (no tema geral do complexo) serve para ser transferido para a figura do médico, essa transferência é realizada; ela produz a associação seguinte e se anuncia por sinais de resistências — por uma interrupção, por exemplo. Inferimos desta experiência que a idéia transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz a resistência. Um evento deste tipo se repete inúmeras vezes no decurso de um análise. Reiteradamente, quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a consciência e defendida com a maior obstinação." (pag ). Se acompanharmos detalhadamente esse raciocínio podemos identificar uma certa ambigüidade. Se a porção do complexo capaz de transferência se mobiliza porque satisfaz a resistência, não poderia ser ao mesmo tempo o que desperta a resistência mais forte . Podemos identificar no mesmo raciocino a afirmação de que a resistência é causadora da transferência e o seu contrário, que a idéia transferida chega à consciência para mobilizar a resistência. Como se Freud pretendesse que o impulso se transforma em transferência para assim ser resistido ulteriormente.

 
 

É certo que no decorrer de suas elaborações Freud se fez valer de tal ambigüidade do conceito hora colocando-o a serviço do desenvolvimento terapêutico, hora colocando-o como alerta ao analista sobre os riscos que a transferencia pode oferecer quando se apresenta como resistência... como na passagem que se segue: " No decurso do tratamento, ainda é estimulado outro fator útil, que é o interesse e a compreensão intelectuais do paciente. Mas ele, sozinho, mal entra em consideração, comparado às outras forças que se acham empenhadas na luta, pois está sempre em perigo de perder seu valor, em resultado da perturbação de juízo que se origina das resistências. Assim, as novas fontes de força pelas quais o paciente é grato ao analista reduzem-se à transferência e à instrução (através das comunicações que lhe são feitas). O paciente, contudo, só faz uso da instrução na medida em que é induzido a fazê-lo pela transferência; é por esta razão que nossa primeira comunicação deve ser retida até que uma forte transferência se tenha estabelecido. E isto, podemos acrescentar, vale para todas as comunicações subseqüentes. Em cada caso, temos de esperar até que a perturbação da transferência pelo aparecimento sucessivo de resistências transferenciais tenha sido removida."(Vol XII pag.187).

 
 

CONCLUSÃO:

Em nenhum momento foi nossa pretensão solucionar a problemática do conceito de transferência em Freud. Portanto o percurso a que nos propomos cumpriu o seu fim identificar tal problemática. É certo que o assunto está longe de ser esgotado, mesmo porque sempre foi objeto de interesse dos seguidores da psicanálise nas suas mais variadas vertentes teóricas.

Aqui a análise do conceito mostrou-nos que a sua ambigüidade, se presta num primeiro momento ser necessária ao processo analítico , e posteriormente que se o terapeuta não se municiar de habilidades incorrerá no risco de ser vitimado pela dinâmica transferencial que se apresenta como forte resistência. O estabelecimento do rapport terapêutico tem como pré requisito o aparecimento da transferência e nesse sentido é condição da relação analítica, no entanto quando a figura do analista se apresenta como ameaça aos conteúdos inconscientes a transferência deverá, ser imbuída de forte resistência.

A problemática, não inutiliza a utilidade da situação tanto que o conceito continua a ser um dos pelares da teoria pscanalítica.

BIBLIOGRAFIA:

 
 

LAPLANCHE, Jean e Pontalis: (1992) Vocabulário de Psicanálise, São Paulo, Martins Fontes

 
 

CUNHA, J. A . (Tradução e organização) (1978) Dicionário de termos de Psicanálise de

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ETCHEGOYEM, R. H. (1987), Fundamentos da técnica psicanalítica, Porto Alegre, Artes

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FREUD, S. (1913): SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO (NOVAS RECOMENDAÇÕES SOBRE A

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Rio de Janeiro, Imago.

 
 

-------------. (1912): A DINÂMICA DA TRANSFERÊNCIA in Edições Standard Brasileira das

Obras Completas. Vol. XII, Rio de Janeiro, Imago.

 
 

 
 

-------------.(1905 [1904]): SOBRE A PSICOTERAPIA in Edições Eletrônicas Brasileiras das

Obras Completas. Vol. VII( CD-ROM), Rio de Janeiro, Imago.

 
 

 
 

-------------.(1905[1901]) FRAGMENTO DA ANÁLISE DE UM CASO DE HISTERIA in Edições

Eletrônicas Brasileiras das Obras Completas. Vol. VII( CD-ROM), Rio de Janeiro, Imago.

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